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«A Guarda vai assistir a uma pequena revolução cultural»

Américo Rodrigues, Director Artístico do Teatro Municipal da Guarda, explica objectivos e importância do empreendimento a inaugurar dia 24 de Abril

P – Haverá um público na Guarda ou na região à altura da programação do TMG?

R – Acho que sim. Estamos a fazer um esforço para que o Teatro Municipal seja muito divulgado, até porque pretendemos chegar ao público não só do distrito da Guarda, mas também de Castelo Branco, Viseu e depois da zona de Salamanca. Portanto, acho que há gente para manifestações culturais de grande qualidade, que é o caso. Como as propostas são diversificadas e para públicos distintos, acredito que vai haver assistência para as diversas iniciativas.

P – Por cá a cultura sempre foi apelidada de elitista. Não se correrá o risco de confirmar essa ideia com o TMG?

R – Essa ideia é a que se tem de todos os programadores, desde o Centro Cultural de Belém até ao Teatro Viriato. Esse tipo de crítica é muito recorrente. Eu julgo que não corresponde à verdade, pelo menos na parte que toca ao TMG, cuja programação é muito abrangente e voltada para públicos diversificados. É preciso procurar novos públicos e renovar os que já existem. Para isso vamos trabalhar, continuamente, com as escolas e com os lares de idosos. Elitista não é seguramente! Agora é de qualidade.

P – Com o TMG a cultura vai também passar a ser mais cara. Não é outro risco?

R – A partir do momento em que se programam espectáculos que requerem outro tipo de estrutura, ao nível do som e da luz, ficam seguramente mais caros. Mas há uma vantagem, que é o facto do próprio teatro já estar apetrechado, o que significa que não é necessário alugar equipamentos. Por outro lado, há a capacidade de chegar a mais gente. Logo se há mais público, há mais receitas. Por isso, a Guarda vai assistir a uma pequena revolução cultural, pois há um aumento qualitativo, embora também se gaste mais dinheiro. No entanto, no primeiro ano a programação é subsidiada pelo Ministério da Cultura, através do Programa Operacional da Cultura, e compete-nos desde já angariar meios para lhe dar continuidade. É por isso que apostamos no mecenato

P – Como está a correr essa área? O TMG já tem mecenas?

R – A equipa do TMG ficou concluída na segunda-feira, por isso, ainda é prematuro falar sobre essa área. O primeiro trimestre é uma espécie de programação de apresentação, mesmo ao nível do serviço educativo vai haver muitas visitas guiadas. Pretende-se mostrar toda a capacidade da nova infraestrutura. Paralelamente, há uma equipa que vai trabalhar ao nível do “marketing” e do mecenato, estando já delineada uma estratégia. Por exemplo, gostaríamos muito de conseguir um patrocínio dos serviços educativos para todo o ano. Mas os mecenas podem apoiar um concerto, um espectáculo ou uma sequência de espectáculos.

P – Acredita que o TMG vai ter um impacto regional, mais que local?

R – Sei que há muita expectativa. É certo que tem que existir uma política correcta de informação para dizer claramente que espectáculos vamos promover e também que serviços temos para oferecer. Convém dizer que nós podemos e devemos alugar o espaço para acontecimentos, lançamentos de produtos ou congressos. Portanto, acredito que vai ter impacto a nível local, desde já como acontecimento social. Quanto ao impacto regional, não sei. Os distritos da Guarda, Castelo Branco, Viseu ou Salamanca têm alguns destes espectáculos, mas outros não. Há produções que só vão poder ser vistas na Guarda, principalmente as grandes montagens, porque o palco do TMG é mesmo impressionante. No entanto, não vamos competir com as outras cidades. Muito pelo contrário, até temos um acordo para um projecto específico com o Teatro Viriato.

P – De que depende a escolha de uma programação cultural de referência?

R – O programador tem que estar muito atento a todas as informações sobre as actividades. Depois deve fazer um plano no qual acredita e também tem que conhecer profundamente os públicos a que se destina. Mas esta é uma das maiores lacunas, pois não há um estudo sociológico sobre o público da cultura em Portugal e muito menos na Guarda. Por vezes o público a que se dirige não é o real, mas é o criado por si próprio. Eu criei a minha linha de programação de grande qualidade, sem concessões, e é essa que eu tento viabilizar. Faço uma proposta ao Conselho de Administração da CulturGuarda, que pode ou não aprovar… Por isso não me considero elitista, dei provas ao longo da minha vida profissional que me interessava tanto por jazz contemporâneo como por música popular. Mas este é um percurso alcançado ao longo dos anos com vitórias e derrotas. Enfim, é fundamental ser coerente e não segregar ninguém. Se fosse ao sabor dos gostos não havia programação que resistisse. Claro, que é impossível satisfazer a todos!

P – Qual é a sua expectativa de orçamento para o próximo ano?

R – Como sou director artístico não falo em números. Em média, um espectáculo que se realize no grande auditório custa à volta de 15 mil euros, no pequeno nunca poderá ultrapassar os 2.500 euros, o cinema nunca ultrapassa os 250 euros e os pequenos espectáculos no café-concerto andam sempre à volta dos 300 euros. Mas há excepções para tudo isto. Depois cabe-me fazer a “ginástica” na programação, porque a gestão é muito complexa. Há sempre uma previsão orçamental, mas não sei quanto se vai gastar.

P – A CulturGuarda vai ter que ser uma empresa lucrativa ou o menos deficitária possível?

R – Menos deficitária, claro. Porque são raros os exemplos de equipamentos como este que dão lucro, mas o objectivo também não é esse. Como empresa municipal, a prioridade é que não haja grandes prejuízos. Também não partilho daquela ideia há muito anunciada de que o TMG vai dar prejuízo, pois acredito que se vai pagar a si próprio. Também não sou a favor da “subsídio-dependência” do Estado, daí investirmos no mecenato, como acontece em Espanha, mas aqui ainda não há esse hábito.

P – O TMG terá ou não uma companhia residente?

R – Não. Nem isso foi pensado ao nível da arquitectura. Quando foi criada a CulturGuarda ficou delineado que este espaço seria um teatro de acolhimento de outras produções. Mas isso não significa que não se façam co-produções e já desafiámos o Teatro Aquilo para fazer uma. Ou seja, dividem-se as despesas e depois o TMG encarrega-se também de divulgar a peça noutros sítios, recebendo algum dinheiro por isso. Na área do cinema também fizemos o mesmo com o Cineclube e com a Camerata Ensemble na música. Eu próprio, como director artístico e encenador, posso fazer uma produção exclusiva. Aliás é uma das competências dos directores artísticos, nomeadamente aqueles que são da área criativa, que é o meu caso.

P – O TMG vai apostar no apoio ao aparecimento de novos criadores?

R – Sim, sem dúvida. Vamos desafiar os jovens e as escolas com concursos ou outras iniciativas. A começar pelo café-concerto, onde vão actuar novos grupos que estão a fazer um percurso profissional e que estarão ali por mérito próprio.

P – Qual a fórmula que irão adoptar para atrair mais jovens?

R – Através de actividades do serviço educativo. Aliás, convidei o Victor Afonso para dirigir este sector, que é uma pessoa da Guarda com muita experiência, como músico e director da Mediateca. O serviço educativo pretende desenvolver a relação entre os espectadores e o teatro através de visitas guiadas e ateliers pedagógicos, portanto vai haver um relacionamento privilegiado, nomeadamente com as escolas.

P – Acha que as metas previstas no Plano, nomeadamente quanto à assistência, poderão ser cumpridas neste primeiro ano?

R – Acho que sim. O plano tem diversas fases. A maior crise acontece no segundo ano. Na área do teatro, todos sabem que o pior espectáculo é o segundo e não o primeiro. Aqui é a mesma coisa. Porque ou cresce ou se cria um público que é sempre o mesmo. Como é um documento orientador, o plano é credível, mas tem que ser ajustado para o próximo ano para que possamos competir com essas médias de ocupação da sala.

P – Em Viseu, o Teatro Viriato pretende levar mais actividades para a rua e fazer chegar os espectáculos a outros públicos. Na Guarda, o percurso será o da concentração de todas as actividades no TMG ou poderão realizar algumas também no exterior?

R – No primeiro ano queremos chamar a atenção para o teatro e para os diversos equipamentos, à semelhança do Teatro Viriato. Também ficou estabelecido que os eventos artísticos de rua são da responsabilidade do Núcleo de Animação Cultural da Câmara. Claro, que vai chegar um momento em vamos fazer actividades de rua, mas sempre com o objectivo de chamar a atenção para o que se realiza no TMG. No entanto, não se podem criar enormes expectativas à volta do TMG como se fosse responsável por toda a actividade cultural da cidade.

P – Em ano de eleições não teme que haja uma inflexão nas opções políticas de investimento na cultura?

R – Acho que esse risco não se corre na Guarda. A ideia da aposta na cultura está de tal forma generalizada que serve inclusive para o argumento dos políticos. É quase uma unanimidade dizer que a cultura deve fazer parte das prioridades da autarquia. Caso contrário a autarquia não teria construído o Teatro Municipal, a Biblioteca, o Centro Estudos Ibéricos, o Cibercentro ou a Mediateca. Claro que podem surgir divergências na orientação da política cultural, mas acredito que o apoio à cultura e a estes equipamentos vai continuar seja qual for o vencedor das eleições.

P – Há algum aspecto que considera ainda por cumprir na cultura da Guarda?

R – Faz falta uma Escola de Artes, que formasse artistas plásticos, técnicos da cultura ou das artes, como na área do som, luz e vídeo. Até podia haver uma especialização em tecnologia da cultura e formação de artistas plásticos ou actores. Seria também importante para formar público para cultura. Por outro lado, também faz falta que a Sé Catedral tenha o órgão de tubos há muito prometido, pois daria logo outra animação ao monumento.

P – Está nos planos do TMG fazer protocolos com alguma instituição, como o CCB ou a Casa da Música, para vir à Guarda algum espectáculo de maior dimensão com menos custos?

R – Já há sistemas de colaboração com algumas instituições. Temos, por exemplo, um acordo com a Fundação de Serralves para trazer algumas exposições. Depois há também um protocolo com o Teatro Viriato e outros.

P – Escreveu na Agenda Cultural, há uns anos, que a Guarda deveria ter uma programação de nível internacional. Considera que a programação definida se enquadra nesse espírito?

R – Acho que está a caminho. Se eu tiver condições para fazer aquilo que me proponho, claramente que vai haver uma altura em que a programação vai ser de nível internacional. Estou sintonizado com as propostas e espectáculos que se praticam lá fora e no segundo trimestre haverá mais surpresas.

P – No último ano houve um menor investimento em actividades de índole cultural na Guarda, isto não terá contribuído para perder públicos ou para a perca de hábitos?

R – A autarca da altura (actual governadora civil) justificou essa decisão com o período de crise em que vivíamos. É certo e sabido que quando se reduz o ritmo de determinada programação, os efeitos fazem-se sentir junto do público e isso sente-se neste momento. De facto, parece-me uma evidência que o público reduziu. Também há quem diga que as pessoas se estão a guardar para o TMG, o que é certo é que recebemos todos os dias pedidos de marcação para os espectáculos, vindos de todo o distrito da Guarda. Se tivéssemos os bilhetes disponíveis já havia muitos espectáculos esgotados. Como exemplo, o teatro musical para as crianças “Fungágá da Bicharada”, cuja sessão da tarde está há muito esgotada.

P – Com o TMG e a respectiva programação, a Guarda assume-se como capital cultural do interior do país?

R – Não sei. Felizmente há cada vez mais cidades preocupadas com o desenvolvimento cultural. O que gostaria é que o TMG fosse um espaço de encontro das pessoas da Guarda e trouxesse mais actividades culturais. Se vai ser uma referência a nível nacional só veremos depois. Agora tenho a certeza de que se Faro pode ser Capital Nacional da Cultura, a Guarda tem hoje mais condições para esse título.

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