P – Como surge a Casa do Brasil – Terras de Cabral, de cuja direção é o primeiro presidente?
R – É uma ideia de muitos anos… e que nasce da vontade de muita gente, portugueses e brasileiros. Havia duas missões a que importava dar resposta. Uma no campo político e diplomático, outra no campo social e apoio às comunidades emigrantes que chegam à nossa região. Pela ligação umbilical de Cabral, a Câmara Municipal de Belmonte já tem uma estratégia de dinamização das relações políticas e económicas com o Brasil. Por outro lado, por toda a região, havia movimentos dispersos de brasileiros mais ou menos organizados. Havia que harmonizar todo este trabalho que estava a ser feito. A Casa do Brasil é agora uma organização formal que pode trabalhar com a Câmara de Belmonte – entre outras, com a Embaixada, com o Consulado do Brasil, e com as famílias que escolheram esta região para estudar, trabalhar, ganhar raízes… É preciso sublinhar que há muita gente que não está de passagem e quer refazer aqui a sua vida. Precisam de um apoio especial neste salto enorme das suas vidas… temos aqui um papel a desempenhar.
P – Quais são os seus objetivos principais?
R – Como referi, importa harmonizar o trabalho que já está a ser desenvolvido por outras entidades e tentar colmatar lacunas existentes, por exemplo na questão cultural. Na Beira Interior temos mais de quatro mil brasileiros. É muita gente e com forte tendência para aumentar. Temos a ideia de que somos países irmãos, a mesma língua, a mesma cultura… mas, não é assim tão básico. É preciso entender que o Brasil é um país continental onde cabe quase toda a Europa. Cada estado é como um país diferente e, quando falamos da comunidade brasileira que chega até nós, falamos de um conjunto de pessoas com origens muito diferentes, com status económicos diferenciados, formações académicas variadas. O emigrante da Bahia não é o mesmo de Espírito Santo, que é mesmo ao lado, e muito menos é o emigrante Santa Catarina, mais a Sul… A família que vem procurar trabalho para recomeçar a vida não vive a mesma realidade da família de empresários que vem para investir em Portugal, ou dos académicos que querem desenvolver investigação no nosso país. Entre nós, não há uma Comunidade Brasileira, existem várias. Por isso falo da necessidade de encontrar diferentes respostas e harmonizar o trabalho que está a ser feito.
P – E que trabalho está a ser feito?
R – No campo político, o presidente António Rocha, em Belmonte, tem vindo a desenvolver um trabalho profícuo no afirmar de ligações com o Brasil. Estabeleceu ligações com a Bahia – com a chamada costa cabralina, assinou uma geminação com São Paulo, luta pela criação de um Consulado Honorário do Brasil em Belmonte… um trabalho valioso. O Consulado nesta região do interior será de uma importância enorme. Hoje, um brasileiro, para tratar de um papel, terá de ir a Lisboa ou Porto, não faz sentido. No campo social há grupos dispersos e voluntariosos, como a Associação de Brasileiros da Covilhã, de alguns alunos da UBI, que funciona como uma embaixada de conhecimento, que partilha informação e orienta quem chega à região, e dá explicações a quem está no Brasil a equacionar a possibilidade de trabalhar ou estudar em Portugal. É preciso unir estas linhas de trabalho para o trabalho ser eficaz.
P – E que projetos/ iniciativas vai desenvolver?
R – A Casa do Brasil não tem recursos económicos, mas irá criar as suas atividades e envolver parcerias – serão comunicadas a seu tempo. Mas esta não é uma associação de arraial e festividades, está virada sobretudo para a partilha cultural entre os dois países, a partilha de informação, o desbloquear de relações entre entidades, o estabelecer parcerias, o acompanhar empresários que queiram investir na região, ou empresários locais que pretendam contactos no Brasil. Ao contrário de outras associações, a Casa do Brasil é constituída por portugueses e brasileiros. A ideia não é manter a comunidade agregada num gueto, pelo contrário, é facilitar a sua integração na sociedade portuguesa e ajudar a potenciar o seu valor. É preciso quebrar alguns preconceitos e resistências, e evidenciar que uma grande parte da nova emigração brasileira nos oferece gente com formação superior, com capacidade económica e com a juventude que falta ao nosso tecido social. Vamos dar a conhecer exemplos fortes de emigrantes que estão a desenvolver grandes investimentos na região, que trabalham na investigação científica, que são ativos culturalmente. E mostrar que temos muito a ganhar na sua integração!
P – Ser um lóbi da região no Brasil também pode ser um deles?
R – Claro que sim. Lóbi enquanto produtores de informação, de conhecimento, enquanto edificadores de um “networking” ativo entre os dois países. Mas não se trata de um menu de ofertas, é preciso que os empresários e dirigentes locais tenham capacidade de trabalho, imaginação e ousadia. À Casa do Brasil cabe-lhe apenas uma certa diplomacia política e económica que pode facilitar à nossa região encontrar novos mercados e atrair investimentos, mas não se vai substituir a ninguém. Uma coisa é certa, o Brasil pode estar a viver uma crise (neste momento, quem não está?), mas é um país-continental com um potencial económico fabuloso…
P – O que falta fazer para a região tirar maior partido da relação umbilical que há entre Belmonte e o Brasil?
R – Belmonte está em vias de receber um Consulado Honorário do Brasil – o único no interior do país – será uma marca para recentrar Belmonte aos olhos dos brasileiros. António Rocha está muito empenhado neste projeto. A sua geminação com São Paulo terá de ser agora potenciada, pois é uma cidade com 12,2 milhões de habitantes, a capital económica do Brasil e que possui uma comunidade judaica muito grande e influente. O trabalho diplomático que está a ser feito com a Bahia, sobretudo Porto Seguro e Cabrália, também terá frutos em breve. Creio que há passos seguros. Temos de abandonar o olhar de desconfiança em relação ao Brasil. No meio das suas fragilidades, há gente muito forte, séria e com enormes capacidades, um país com enormes recursos. Que o Atlântico nos una e não nos separe.
Perfil de João Morgado
Presidente da direção da Casa do Brasil – Terras de Cabral
Idade: 55 anos
Naturalidade: Aldeia do Carvalho, Covilhã.
Currículo: Foi operário têxtil, jornalista, consultor de comunicação; foi chefe de gabinete dos presidentes de câmara de Castelo Branco, Covilhã e agora Belmonte. Cofundador da Câmara de Comércio da Região das Beiras. É poeta e romancista, já recebeu oito prémios literários. Entre outros, destacou-se com “Vera Cruz”, o romance biográfico de Pedro Álvares Cabral, que lhe mereceu a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cívico e Cultural, oficializada pela República Federativa do Brasil, e o Troféu “Cristo Redentor” da Academia de Letras e Artes de Paranapuã – Rio de Janeiro
Livro preferido: “A Sombra do Vento”, in memoriam a Carlos Ruiz Zafón recentemente falecido
Filme preferido: “The Bucket List”, com Jack Nicholson, Morgan Freeman, entre muitos outros.
Hobbies: Ler e, naturalmente, escrever…