1. Para que serve um jornal regional
Quando o volume de informação disponível aumenta, como na atualidade, quando a atração da informação pela imagem ofusca o valor das palavras, quando o nosso mundo vai até aos antípodas num instante, temos tendência a desvalorizar o micro e a valorizar o macro. Por isso a cultura da globalização destrói as raízes, valorizando os ramos que vão para qualquer sítio.
No caso dos jornais, é a informação regional que sofre, sem poder de atração, sobretudo numa região em que quem pode foge para os grandes centros ou para o litoral. Se se tende a fugir daqui, para quê procurar informação sobre o “aqui”? A ideia de que “aqui não se passa nada” é a predominante na região e já não bastava este fator e também a Internet exibe uma oferta de tudo a preço barato. E como poderiam os media regionais ser melhores do que a economia regional ou a cultura regional? É assim que a maioria pensa.
2. Como pode um jornal transformar-se
Nada é possível modificar-se nos jornais se não houver algo para dizer. Para além de uma montra mais atraente pela Internet (a loja, por assim dizer), se o produto for pequenino, se a maçã for raquítica ou a castanha bichada, a banca não pode render. Portanto, no que respeita ao conteúdo, acreditando na riqueza que há num meio de baixa densidade, é possível tornar em notícia apetecível aquilo que aparentemente parece não ter interesse. Quantas vezes nos admiramos de certo ramo de atividade ou certa área não serem noticiados, mesmo quando é possível fazer artigos interessantes sobre “aquilo”. Interessa mostrar também à própria sociedade que a sua atividade só pode subsistir se alguém mostrar que existe e que a sua dinâmica pede a adesão do público.
Muitas vezes acontece que o jornal ou rádio regional acabam por não saber avaliar bem para quem é que estão a falar. E na verdade têm que estar sempre a falar para várias camadas de população, mantendo o interesse de todas elas. Há sempre a escolha de um núcleo principal de leitores pelos temas, géneros e formatos cultivados, mas os outros subnúcleos não podem ser colocados de lado. Um público interclassista, mas não analfabeto, é o que deve o jornal procurar.
3. Não se passa sem jornais
“Dar ao público aquilo de que ele gosta” é um chavão que pode levar às maiores leviandades. É preferível oferecer-lhe aquilo que supomos que ele precisa, mesmo que não dê conta disso. Em tempos de desprezo pelo texto maior que três linhas, é difícil satisfazer os “leitores” que não são leitores. É sempre possível desenvolver mais os conteúdos online e é por aí que o negócio terá que evoluir. O jornal tem que se convencer que o modo de funcionamento das pessoas, mesmo as alfabetizadas ou muito alfabetizadas, é o do pequeno ecrã. O mundo da leitura atual é o da “leitura impaciente” porque sabemos que há mil textinhos/ imagens/ vídeos/ músicas que nos esperam já a seguir no fim do “minutinho” que gastamos com o primeiro. Só paramos com mais tempo num desses assuntos se ele estiver bem feito ou se ganharmos uma rotina.
4. Ler é mais preciso do que nunca
A fórmula do jornal que se folheia na esplanada do café numa tarde após o almoço ou no trabalho ao princípio do dia é ainda a que mais me agrada. Bem tenho tentado ler as crónicas que mais me agradam no smartphone mas a fórmula é cansativa e às vezes desesperante.
Creio, no entanto, que esta crise pode ser até uma razoável oportunidade para o incremento da leitura de jornais em suporte digital, embora ela nunca volte aos níveis que em certos tempos ela teve nos jornais em papel. De repente, fruto do alarme da Covid-19, vemos toda a gente a ler “coisas sérias”, o que valoriza ainda mais a “bolsa de massa cinzenta” que os jornais possam cativar, nomeadamente ao nível da opinião. Será esse o grande trunfo dos jornais, já que de “noticiazinhas” está o Facebook cheio. E se não se aproveitar por essa via a janela comercial da Internet, os jornais estarão condenados.
Que é que eu quero dizer com estas notas? Que temos que jogar simultaneamente no atraente, no variado, no profundo, na aceitação da mudança dos nossos leitores, na confiança no que fazemos. Que, se permanecermos entrincheirados numa ideia, acabaremos por morrer sozinhos, apesar de cheios de razão. Que também devemos acreditar (por uns instantes que seja) na capacidade de reflexão dos nossos leitores. Que, sendo o meio que faz a mensagem, é ele que a transforma e que assegura o que ela vai ser junto do público. Tudo é, portanto, possível.
Longa(s) vida(s) a O INTERIOR! Vale a pena ler!