Qual mãe de todas as causas, a pandemia teve também o condão de fazer regressar a Portugal a pouco velha, mas gasta, discussão política sobre a austeridade. Uma discussão agora retomada e que ficará tão mais longe de acabar quão maior for a dificuldade de promover a retoma, claro está, da economia.
Para começo de conversa, é bom esclarecer conceitos. Como explica Bruno Farias Lopes em artigo de opinião publicado no “Jornal de Negócios”, austeridade «significa aumento de impostos ou cortes na despesa para reduzir a dívida pública». O jornalista acrescenta que houve austeridade no último período da governação de Sócrates e no executivo de Passos, concluindo que a política de Centeno foi de «contenção». De contenção orçamental, acrescento eu.
António Costa tem dado sistemáticas garantias de que não haverá austeridade, porém, ao “Expresso”, cometeu o erro de sair momentaneamente do jogo político e admitir não poder afastar liminarmente esse cenário, para «não dar hoje uma resposta que amanhã não possa garantir».
Afirmar taxativamente que não haverá austeridade após superada a crise sanitária não passa, nesta fase em que se desconhece ainda o real impacto da pandemia e em que falta saber como vai a Europa reagir, de uma mera demonstração de vontade.
Para já, a União Europeia decidiu criar um fundo de recuperação e financiá-lo por duas vias que configuram passos positivos: reforço dos recursos próprios e emissão de dívida pela Comissão, mediante garantias dos Estados-membros.
No entanto, os líderes europeus adiaram a decisão sobre o mais difícil, e relevante, como a definição do montante e, sobretudo, o modelo de acesso ao dinheiro: empréstimos aos países (em condições mais favoráveis face ao mercado, mas que representam mais dívida), subvenções a fundo perdido ou uma conjugação de ambas. Apesar de haver agora maior margem para reforçar a partilha de riscos na UE, deverá prevalecer a combinação dos dois modelos, pelo que dificilmente o apoio europeu não estará ligado a condicionalismos exigidos pelos países do Norte, guiados pela Holanda. E em algum momento as regras da disciplina orçamental deixarão de estar suspensas.
O primeiro-ministro, tal como o Bloco, PCP ou PSD, não querem austeridade. No 25 de Abril, como titulava um artigo por mim assinado no “Negócios”, a «Liberdade de abril foi celebrada com censura à austeridade». Mas Costa poderá ser obrigado a aplicá-la, seja por imposição de Bruxelas, seja pela degradação das condições de financiamento na sequência do aumento da dívida pública e das descidas do “rating” da República. Ou devido a ambas. E é isso que Rui Rio tem vindo a anotar. Não espanta, portanto, este clima de sintonia em que o bloco central vive, pois há um orçamento retificativo a caminho (a que o Governo chama “suplementar”), e são precisos aliados para o aprovar.
As condições exigidas por terceiros (UE ou mercados) poderão traduzir-se em medidas de contenção orçamental ou em medidas (mais gravosas) de austeridade. Em qualquer dos casos, com maior ou menor acerto, vai falar-se de austeridade. Como na história, o lobo da austeridade poderá mascarar-se de avozinha na versão mais benigna da contenção ou poderá surgir sem disfarces. Em qualquer dos casos virão aí tempos e medidas difíceis.