A última vez que esta coluna foi publicada, o mundo vivia numa outra era. Nesse tempo, as pessoas saíam de casa sem medo de apanhar Covid-19 ou uma patrulha da PSP. Nesse tempo, os computadores e os aparelhos electrónicos eram prejudiciais à saúde. Nesse tempo, era importante que as pessoas pudessem escolher morrer. Nesse tempo, abrir as fronteiras a imigrantes e refugiados era um imperativo categórico. Nesse tempo, a protecção de dados pessoais era fundamental. Nesse tempo a liberdade era adorada por muitos com justificada ternura. Depois da pós-modernidade e da hipermodernidade, chegou a vírus-modernidade.
Os tempos mudam, os vírus sofrem mutações. Mais constante é a loucura das multidões. Em confinamento, depois de décadas de valorização dos extrovertidos, chegou o tempo das personalidades introvertidas, segundo a tipologia jungiana. Só não estamos em euforia, porque – lá está – somos introvertidos.
Para Jung, o pensamento introvertido ignora o mundo e concentra-se nas suas próprias ideias. Só assim se consegue que o número de memes diários no Facebook e no Instagram ultrapasse aos milhares o número de doentes com Covid-19. O sentimento introvertido faz com que as pessoas pareçam inacessíveis e auto-suficientes, o que convém numa altura em que ninguém quer visitar os amigos. Jung também diz que isto é atraente para os extrovertidos do sexo oposto, o que não sendo mau, é agora irrelevante. A sensação introvertida permite submergir em mundos próprios de sensibilidade, o que é muito útil para consumir doses cavalares de conteúdos online, com recursos artísticos desde o FilmIn ao PornHub. Finalmente, a intuição introvertida dá às pessoas a sensação de que são génios incompreendidos com uma visão única e clarividente da realidade, o que os leva a escrever textos interessantíssimos em jornais e redes sociais. Aproveitando ter uma personalidade introvertida já antes da quarentena, vou tentar escrever um assim numa das próximas semanas.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia