O colunista Henrique Raposo escreveu há poucas semanas um ensaio na revista do “Expresso” sobre o maior dos defeitos desta pós-modernidade: ser o gordo que só joga à baliza.
(Não é por acaso que há quadros de Magritte e um inspector Maigret, mas não há pintura de Gorditte nem casos de Gordet.)
Sem saber, o meu companheiro na defunta revista “Atlântico” estava a referir-se à minha vida. Se hoje tenho a internet a gritar “tens de perder 25 kg”, na escola secundária tinha os colegas de turma a berrar “tens de sair do campo”. Na adolescência, mesmo sendo magricela, a minha alcunha era “o Nuno polivalente, que tanto joga mal atrás como à frente”. E se, nesses tempos do liceu, era o tipo que só ia à baliza (e mesmo assim, porque tive a iniciativa de fazer uma equipa B na minha turma), hoje, finalmente, posso dizer que tenho as qualidades do Maradona: ser um baixote badocha.
Os fanáticos identitários que pululam por aí dizem que tipos magros que jogam à bola com os amigos, como o Henrique, não estão no lugar de fala para sentir o peso da baliza e da barriga. Discordo. Julgo ser possível compreender o estigma sem ter passado por ele.
Eu, que nunca fui alto nem rico, consigo perfeitamente imaginar tudo aquilo que o dinheiro e a altura me poderia trazer. Problemas, claro.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia