As estatísticas da PORDATA não enganam. Os portugueses continuam a casar, mas cada vez mais estão condenados ao divórcio. Em 2017 ocorreram 64 divórcios para cada 100 casamentos realizados, mas em 2011 tinham chegado aos 74 por 100 casamentos. Em 2017 foram 21.577 divórcios (26.556 em 2010), separações de casamentos civis e católicos quase por igual. Em 2018 realizaram-se, no entanto, 34.637 casamentos, número ainda significativo se pensarmos na laicização da sociedade, mas longe dos 103.125 do ano de 1975. Depois de 1975 foi sempre a descer até 2014 (mínimo 31.478). Daí para cá um ligeiro aumento.
Para não desanimarmos, se acreditamos na relação a dois, é sempre possível enunciar umas normas ou dicas ou bitaites, depois da leitura das crónicas de José Gameiro, reunidas no volume “Talvez para sempre”. Até porque os divorciados morrem mais cedo, dizem as tais estatísticas.
1. Os casais têm 7 vidas como os gatos. Mas cada vida é um pouquinho pior que a anterior, seja porque a beleza e o desejo deixaram de ser o motor da relação, seja porque o projeto a dois passa do fulgor do álbum de casamento para a contabilidade das tarefas caseiras ou simplesmente para a sensação de que já pouco se pode fazer com o outro. A cada disputa ou cedência há um pouquinho de relação que é sacrificado.
2. Às vezes o casamento é uma grande seca. Outras vezes é mesmo um castigo. Se sabe bem sabermos que alguém nos espera ao chegar a casa, a sensação oposta é a de sabermos que é sempre a mesma pessoa, a tal pessoa. Com as mesmas teimas, dramas ou rotinas, que só deixam de picar por já as reconhecermos. No entanto em certos momentos, em certos casais, é mesmo necessário arriscar, tomar a iniciativa. Separando, rasgando, para não ser rasgado ou esmagado.
3. Perdão imediato só no confessionário, diz Gameiro. Se pensávamos que aquilo que ofendeu o nosso parceiro ficou apagado com a confissão, às vezes brutal, outras vezes forçada, nada disso. A mentira existe sempre, em diversos graus, nos dois sentidos. O pior é quando alguns casais se habituaram a funcionar como se, dos dois elementos, só um deles pudesse ser juiz e pedir satisfações. O casamento é complicado.
4. Em geral é perto dos 15 anos de casamento que a separação é mais provável. Esta conta leva a que os casais a partir dos 10 anos de vida comum tenham de começar a fazer revisões como nas viaturas. Os casais precisam de “manutenção obrigatória”, mas só nos damos conta disso quando o pneu furou em plena autoestrada ou o motor gripou. 15 anos é também a altura em que os filhos deixaram de ser uma aflição diária e em que os podemos subtrair ao outro sem tantas dificuldades.
5. Não se pode sonhar com o paraíso no casamento, ou seja, esperar-se demais da instituição. É que do “outro” paraíso foi necessário sair no princípio do mundo e ainda ninguém trouxe provas concludentes de que se pode para lá voltar. A instituição é humana, embora abençoada por Deus, mas pedir para amar na felicidade e na desgraça, na chatice e na degradação pode ser um pouquinho… demais. Expectativas baixas!
6. Cada membro do casal deve ter direito às suas pequenas loucuras. Se a partir de certo momento os elementos do casal não souberem desapertar-se da “vida comum”, ela pode asfixiar e matar. A atitude do parceiro de abertura ao desenvolvimento pessoal do outro, é algo que em muitos casais é tido como fora dos fundamentos do casamento. Mas, se é só para durar, o casamento pode regular-se pelos “mínimos”. Quanto menos o casal se fechar em si próprio e quanto mais conviver com outros, mais probabilidades tem de se manter.
7. Difícil é não criticar quem conhecemos tão bem. Depois de dezenas de anos em projeto comum, somos as pessoas que melhor conhecemos o parceiro, melhor mesmo que a nós próprios. Como resistir então a não lhe arremessar “toda a verdade” na devida oportunidade? Resposta: simplesmente olhando para o lado e continuando o caminho. Custa, dói roer os fígados, mas não vale a pena procurar solução para aquilo que a não tem.
8. É impossível manter a atração durante tantos anos. Como refere José Gameiro, há um momento em que “aquele sorriso” passa “àquele esgar”. Do lado do homem, o encanto que desapareceu na parceira pode desencadear a degradação da relação com ela. Gameiro refere que o machismo é a manifestação da «virilidade em vias de ser perdida». Que melhor definição para os sucessivos casos de casais que apodreceram e se destroem depois num gesto violento?
9. Para acabar, que fique a ideia de que a noção da verdade e os limites do compromisso são muito relativos no casamento. O casamento, como quase tudo na relação humana, convive nos limites da ficcionalidade, cada um a imaginar o outro e o futuro com ele segundo as suas fantasias e às vezes imaginando também o passado à sua maneira. Somos humanos, que é que querem?
(José Gameiro, “Talvez para sempre”, Ed. Matéria Prima, 2017)