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O After-Shave do Poder

No mundo animal existe a hierarquia dos cheiros. É por isso que os líderes dos bandos se esfregam nas pedras e fazem as suas necessidades nas árvores para marcar o território. Os outros, correm a cheirar como quem lê o e-mail, e encostam-se a quem manda ou está em vias de mandar. São simples as leis da selva e pouco mudaram.

Por estes tempos, José Sócrates pôs o “after-shave” do poder. Um cheiro agradável, bem espalhado pela comunicação social e que deixou pouca gente indiferente. Provocou desde logo três tipos de reacção: paixão, medo e interesse.

«Paixão» – Logo que se colocou em posição de assumir o poder no PS – e futuramente no país – viu reforçado o apoio dos que o rodeavam. Acredito que, em muitos casos, um apoio genuíno de quem sempre caminhou ao seu lado. Companheiros de muitos anos e de muitas lutas que entenderam a chegada ao poder como um corolário de muitos esforços. Gente de paixão, que acredita nas suas ideias, na sua capacidade de mobilização e sobretudo na sua força para concretizar sonhos. É agente dos bons e dos maus momentos.

«Medo» – Também se reuniram em seu redor os medrosos. Aqueles que sempre o combateram de soslaio, que criticaram o seu “life-style”, o seu lado conspirador e impiedoso para os que enfrentam, o seu estilo bem-falante de uma esquerda-moderna apostada na comunicação social, a sua visão prática sem amarras ideológicas, a sua ambição desmedida. Grande parte destes críticos, tementes das malhas que o aparelho tece, engrossaram de bom grado os 80 por cento da sua vitória partidária. Fora do PS, são muitos também os que se apressaram a fazer vénias e a tentar apagar confrontos do passado. O que lá vai, lá vai…o que lá vem é que importa!

«Interesse» – Há sempre quem venda a sua alma pelas migalhas que caem da mesa do poder. Há quem não abandone a sombra dessa mesa, mesmo quando mudam os anfitriões e mudam os comensais. Os jantares de apoio às figuras políticas são um manancial de surpresas. Há quem vá a todos os jantares e fique em todas as fotografias de família. Nos jantares de apoio a José Sócrates ninguém quis faltar. Mais que um jantar é um seguro de vida. Sócrates é hoje um símbolo de poder e de influências. É um símbolo de futuros subsídios, futuras nomeações, futuras mais-valias….É por isso que muitos se sentaram à sua mesa, lhe deram um abraço e lhe desejaram sorte. Mesmo aqueles que ontem o combateram, mesmo aqueles que ontem estavam nas listas do PSD!!! E que amanhã voltarão a estar nas listas do PSD caso outro “after-shave” atractivo os envolva.

Quem caminha para o poder sabe que tem muito caminho a percorrer. É normal que queira engrossar as suas hostes, o seu exército, a sua base de apoio. Mas por vezes é mais de confiar em quem nos enfrenta. Pois como nos ensina a história, os grandes líderes são quase sempre traídos por falsos amigos. Agora que José Sócrates se prepara para subir à montanha resta-me desejar-lhe que não se deslumbre, que não se deixe cegar, e que numa das próximas entrevistas ao Expresso, não tenha que citar os clássicos: «Também tu, Brutus…?»!!

Por: João Morgado

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