Ao acordar, nunca se sabe como é que o dia vai acabar. Uma quinta-feira aqui atrás poderia ter sido apenas mais um dia de semana não fora o facto de, a meio da tarde, ter dado de caras com algo que, em boa hora, me despertou a atenção. Ia haver um concerto no castelo do Sabugal. O inusitado da coisa, por estes lados, impeliu-me a ir espreitar.
Pouco antes da hora marcada, ao contrário do que costumo, já estava sentada no centro do maneirinho castelo. Empenhada em não perder pitada, de costas para as famosas cinco quinas da torre, observava os músicos que, no ainda escuro fosso da orquestra, iam aquecendo os instrumentos. Pelo meio, ia apreciando as ameias acesas, o pontilhado do céu e a maneira como a sussurrante plateia adequava o comportamento à solenidade da espera. Protegido do vento leve da noite de Primavera, das ameaças das novas guerras e vicissitudes, pelas velhas muralhas, aquele anfiteatro transportara-me, inexplicavelmente, para uma outra possível história.
Um a um, os restantes elementos da orquestra e os integrantes do coro preenchem o palco sob os pequenos aplausos (só hão de mostrar verdadeiramente o que valem no fim da peça) evidenciando a genuína timidez de quem, pouco habituado a estas coisas, de ser presenteado com música de orquestras, não se acha ainda digno de mais afoitos protagonismos. Ao primeiro erguer da batuta, abrem-se alas de silêncio para a perfeita interpretação que graúdos e miúdos, cerzindo o passado com o futuro à margem de vaidades ínvias, fizeram da “Carmina Burana” do Carl Orff. Estado de graça que nem a ingenuidade na expressão de desânimo do pequeno violinista, importunado com o bzzz do atrevido drone que, sem pejo, invadira as ondas por onde a música se espraiava, conseguiu macular. “Coisas da interioridade”, segredei-lhe telepaticamente do meu lugar. Só que o catraio preferindo ostensivamente, pareceu-me, os movimentos do arco à minha despropositada snobeira apenas me condenou a uns bons segundos de conflito interior. Caso para me alhear de umas poucas de notas e vozes. Mas também não há grande beleza sem algo de estranho, pois não? E a beleza daquela noite, daquele concerto no castelo, agigantou-se mais ainda perante a petulância. A do objeto voador com seu bzzz e a minha.
Um “Lisboa menina e moça” acastelhanado haveria de fechar-me a grande noite no castelo que abandonei a pensar para com os meus botões: “Se calhar as velhas e solitárias terras deste Interior poderão, sem querer, ter encontrado melhor remédio para os seus males demográficos que empresas de telemarkting, vacas e garraiadas”. Porque, para mim, o futuro passara inegavelmente por aqui. Se foi só o dos pequenos músicos, apoiado pelos velhos músicos, é que já não consigo dizer. Se volta, ou fica, também não. Que esteve ali, esteve.
E, nesse momento, até me entusiasmei com a candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura, achei-a um pouco menos extravagante. De repente, lembro que só tinha ido ver a Orquestra da Universidade Autónoma de Madrid ao castelo do Sabugal e logo me passou.