1. Os muitos documentários que passam no 25 de Abril acerca do pronunciamento militar de 1974, têm uma inegável utilidade. Em nenhum outro espaço, e em tão curto espaço de tempo, conseguiremos ver tantas calças à boca de sino, camisolas de gola alta, gente a fumar por todo o lado como se o mundo acabasse no dia seguinte, suíças caídas, colarinhos às flores por fora do casaco, peitos cabeludos, mulheres com franjas no cabelo, óculos com aros de massa e barbas descuidadas! O tempo não perdoa…
2. No magnífico ‘12 Regras para a Vida’, Jordan B. Peterson, começa por aconselhar-nos a levantar a cabeça e endireitar as costas. Para isso, usa uma detalhada alegoria da hierarquia da dominância, observada nas lagostas. Uma estratégia de selecção que funciona há cerca de 90 milhões de anos. A certa altura, chama a atenção para um comportamento observado em certas espécies, mormente de primatas. Os indivíduos que estão no topo da hierarquia sabem que podem ser destituídos a qualquer momento, graças a alianças hostis e desafiadoras. Por isso, geram alianças e cumplicidades com os mais frágeis, e que assim podem ser aliados ou apoiantes no momento certo. O autor aproveita então para transpor este quadro para o mundo da política. Ilustrando com a fixação dos políticos em serem vistos a apaparicar criancinhas, idosos e doentes acamados. A analogia podia ir mais longe. Abranger a tentação endogâmica que está na ordem do dia. A preocupação em assegurar a aptidão da prole, ou da/o parceira/o. A ordem e o caos que basculam à deriva sem um terceiro elemento: a consciência.
3. O problema do cínico é a sua perspectiva de visão. Dificilmente consegue captar um plano frontal. Socorrendo-se, invariavelmente, de ângulos esquinados e linhas oblíquas. É certo que, nos layers distorcidos e nas superfícies recônditas, o cínico descobre um sentido oculto. Desvenda um enigma. Capta a banalidade do absurdo. O cínico é o ginasta da inteligibilidade. Faz o reconhecimento do terreno e impede a sonolência da imaginação. Mas se ele define a estratégia para a batalha, é preciso a audácia e a fortuna para a ganhar. Porque o cínico até pode tornar a vida suportável, ou a realidade suficientemente escancarada para poder fingir que não acredita nela. Mas se a beleza devastadora surge, ou se um alçapão se abre no desenho, ou se uma graça delicada e inebriante o toca, o cínico não tem defesas. Tropeça. Dá conta do seu erro de cálculo.
4. A relação das mulheres com a poesia é complicada. Como têm uma sensibilidade mais apurada, deu-se de barato que isso lhes dá um acesso privilegiado à criação poética. Não creio que assim seja. As mulheres são melhores leitoras de poesia do que os homens. Mas se acaso forem contaminadas por esse vírus, deixam-se possuir sem resistência. É não raras vezes, a poesia torna-se a marca da sua trágica, mas arrebatadora, existência. Vejam-se os exemplos de Sylvia Plath, Anna Akmathova, Emily Dickinson, Florbela Espanca.
5. Quando mais aprumamos a cabeça ao entrar, mais ela pende ao sair. Quanto mais atolados no pântano, mais erguemos a cabeça. Quanto mais puxamos a cabeça para cima, mais o céu se ri de nós. Não se cai de cabeça erguida. Tropeça-se por causa de. E quando finalmente a lâmina descer, os corações ao alto agitam-se. A cabeça ergue-se, perdida. E então, mandará um piropo.
6. “Sem música, a vida seria um erro”, disse-nos o autor de “Para Além do Bem e do Mal”. E sem poesia, seria um sufoco. Sem melancolia, um deserto sem sombras. Sem os pequenos gestos da bondade, um lugar sem Deus. Sem as mães que acenam da janela, uma manhã cinzenta. Sem as palavras, um presságio por cumprir.