Mário Centeno, numa entrevista, afirmou que investir não é como se a Anita fosse às compras na companhia do Pantufa. O ministro das Finanças não é só um Ronaldo das Finanças, é também um Ristovski das analogias – centra muitas bolas, mas a maioria vai para a bancada.
“Anita Vai às Compras” é um livro originalmente publicado em 1964 com o título francês “Martine Fait Ses Courses”. Centeno está equivocado. São várias as semelhanças entre Anita nas compras e o Governo a investir. Tal como o cão Pantufa, que na versão original é Patapouf e nas novas edições portuguesas passou a Patusco, também Mário Centeno chama investimento ao que outros chamam cativações e o PS antigamente chamava austeridade. Outra parecença é Anita ir às compras com o irmão, ser levada pela mãe e, no final, esperar pelo pai. As compras da Anita e o investimento governamental são assuntos discutidos em família. E no supermercado, Anita consegue controlar o irmão mais novo e o cachorro tão bem como o Governo consegue controlar os sindicatos e os partidos mais à esquerda. Centeno pode ser presidente do Eurogrupo, mas dificilmente será o rei das alegorias.
Pelo contrário, há situações em que Centeno acerta e a ficção da geringonça se afasta da realidade descrita por Delahaye. Anita, que sempre foi Martine em francês, assumiu agora este nome nas novas traduções editadas em Portugal. Aqui sim, Centeno tem razão. Anita mudou de nome, mas mantém a personalidade, ao contrário do Partido Socialista, que manteve sempre o mesmo nome. Há mais uma característica da pequena menina em que Centeno não se enganou. É que Anita/ Martine, apesar de ser uma criança negligenciada a passear sozinha com o irmão pelo supermercado, mostra um carácter extremamente responsável com o dinheiro que não é dela. E se as compras de Anita são uma sinédoque, o investimento de Centeno é uma hipérbole.