Não tenho dúvidas que as autarquias locais têm constituído um veículo essencial no domínio da descentralização de políticas e no desenvolvimento económico e social das populações.
Em 2018 foi celebrado um acordo entre PS e PSD, à margem do Parlamento, do qual é expressão a Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, que atribui novas competências aos órgãos municipais e às entidades intermunicipais.
No que respeita a este modelo descentralizador que o Governo criou a partir do referido acordo partidário, designadamente pelo facto de ser imposto “de cima para baixo” e sem a necessária consensualização com as autarquias locais, as reticências são muitas. De acordo com a lei-quadro, os municípios terão até 2021 para assumir as novas competências. Até lá, decidem anualmente, podendo assumir todas as novas competências, apenas algumas, ou mesmo nenhuma.
Mas, em 2021, a transferência torna-se obrigatória e esta data é deveras importante.
Ora, transferir competências implica não só a manutenção da respetiva autonomia administrativa e a atribuição do poder de execução ao órgão destinatário das novas competências, mas também o poder de decisão, regulamentação, planeamento e fiscalização, de modo a que esses órgãos possam assumir o encargo de desenvolver funções públicas e de prestarem serviços públicos com qualidade, eficientes, universais e em condições de igualdade de acesso. A que acresce a indispensável transferência, pelo Governo, dos recursos financeiros, humanos e patrimoniais adequados.
O Governo quer transferir para o poder local 889,7 milhões de euros. Deste valor global, a grande fatia destina-se ao sector da Educação – 797 milhões, a distribuir pelos 308 municípios de Portugal continental. Na Saúde, a estimativa é de 83 milhões de euros; na Habitação de 7,6 milhões de euros; para a Cultura vai 1,1 milhões de euros. Estes valores, contudo, não cobrem os gastos que as autarquias vão ter com as novas competências. Mas mais: o Fundo de Financiamento da Descentralização previsto na Lei das Finanças Locais e que deveria ser aprovado em sede de OE foi chumbado. Além disso, é opaco e completamente insuficiente para as necessidades que, teoricamente, visa acautelar, deixando as autarquias a braços com responsabilidades de que o Estado parece querer “livrar-se”, sem, para tanto, as dotar dos meios materiais e humanos imprescindíveis.
Os municípios portugueses são muito heterogéneos na geografia económica e na capacidade de intervenção e não se conhecem quaisquer estudos que fundamentem a transferência das competências identificadas na Lei que levem em linha de conta esta diversidade.
A lei-quadro da descentralização mais parece um processo de alijamento de encargos e de obrigações por parte do Governo, completamente alheado da realidade territorial, organizativa e financeira das autarquias nacionais e, acima de tudo, das necessidades das populações e da capacidade e da eficácia da resposta a dar-lhes, correndo o risco de agravar ainda mais o fosso existente entre os maiores municípios e os mais pequenos. Para além disso, já instalou uma enorme anarquia, em que uns municípios assumem competências e outros não.
Como poderíamos acreditar que um Governo que não disponibiliza os recursos financeiros para cumprir aquelas que são as suas próprias funções o iria fazer quando passa essas mesmas responsabilidades para terceiros?
Esta falsa descentralização não é nada mais do que uma enorme confusão. A bem das pessoas, nós precisamos é de boa governação.
* Líder distrital do CDS-PP e deputado da Assembleia Municipal da Guarda