A aplicação das 35 horas (redução da carga horária de 40 para 35 horas semanais) foi uma machadada no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já havia problemas diversos, numa área tão sensível como a saúde, do aumento vertiginoso da dívida do SNS à falta de equipamentos, medicamentos ou materiais, passando pela falta de profissionais de saúde, de médicos a enfermeiros.
Mas dia 1 de julho nasceu um novo problema: a redução de horas de trabalho implica necessariamente que os serviços de saúde tenham de ter mais recursos humanos. Num sector onde havia a propalada falta de pessoal passou a haver, obviamente, enormes dificuldades para prestar os cuidados de saúde aos utentes – em muitos hospitais passou a ser difícil organizar a escala de serviço de enfermagem por falta de enfermeiros para fazer noites e fins-de-semana. Mesmo considerando que houve 2.000 contratações (!?!) todos os dias aparecem novos problemas ou denúncias de falta de profissionais em algum serviço. Após a redução do rácio de camas por enfermeiro, de seis para cinco, a redução de horas de trabalho e a falta de disponibilidade ou interesse em trabalhar fora da carga horária estão a criar problemas cuja solução não se vislumbra. O fecho da unidade de cuidados coronários na Guarda foi apenas uma das muitas unidades e serviços que, por todo o país, tiveram de encerrar ou fechar camas. Cerca de três quartos dos custos do SNS são com pessoal, mas a escalada de aumento de despesa não para. Sabendo-se que os rendimentos dos portugueses são baixos (e, até por isso, é natural e legítimo que se reivindiquem aumentos), e que os contribuintes se sentem exauridos e não toleram pagar mais pelos serviços públicos, e pretendendo-se que o SNS continue a ser universal e tendencialmente gratuito, não será possível aumentar os rendimentos dos profissionais (médicos, enfermeiros ou técnicos), que trabalham menos horas, e contratar mais técnicos de saúde para colmatar as falhas nos serviços.
Os hospitais da Guarda e Covilhã estão na primeira linha dessas dificuldades. Na Guarda, durante os últimos anos, contrataram-se “jobs for the boys”, deu-se emprego a afilhados e enteados; em vez de se contratarem técnicos de saúde, foram chegando auditores, engenheiros e administrativos; em vez de se criarem condições para qualificar a saúde e promover a qualidade da prestação de cuidados de saúde, ocuparam-se lugares por afinidade partidária. Como sempre (ou como nunca), o Serviço Nacional de Saúde precisa de soluções, precisa de gestão, precisa de pessoas competentes, determinadas e solidárias para assegurar que uma das mais relevantes criações do Portugal democrático possa sobreviver à espiral despesista, aos glutões que querem tudo e ganhá-lo todo, aos irresponsáveis que parece não saberem que os serviços de saúde têm no centro da sua existência os doentes e não os interesses corporativos. Quarenta anos depois, no ano em que faleceu o “pai” do SNS, António Arnaut, é preciso trilhar novos caminhos pela saúde, é preciso que todos contribuam e participem numa solução integrada, é preciso que todos colaborem para um SNS universal, viável, com todos e para todos.
Luis Baptista-Martins