Na primeira semana de junho comemorou-se o Dia Mundial do Ambiente. Na urbe guardense foi apresentada, quiçá pela décima vez, a requalificação do Largo da Misericórdia e da praceta da Torre dos Ferreiros. A promessa foi «fazer obra, custe o que custar, gostem ou não», e não encerrar a época medieval em que vivem as freguesias na orla dos rios Diz e Noéme. Se a ideia do turismo pegar, a seguir aos “Passadiços do Mondego”, venham os “Passadiços E. Coli”. Uma viagem entre a Guarda e o Rochoso, entre campos e vales que são o verdadeiro Intestino Grosso do concelho. Em 4D, que o cheiro é garantido!
Numa sala a abarrotar, a apresentação foi de tal forma impressionante que há relatos de pessoas que ficaram literalmente de olhos em bico. Absolutamente normal. Afinal, todas estas obras integrantes do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU) foram alvo de uma profunda reflexão por parte de quem as propôs. Dez dias. Mas 10 dias daqueles que têm 48 horas e sem dormir, para a apresentação de propostas que visam alterar a face da cidade, muitas vezes de forma irremediável. Razoável não é? O prazo haveria de ser alargado, mas se é para marcar autogolos na autodeterminação guardense, denominem ao menos o programa de PERU, Plano Estratégico de Reabilitação Urbana.
O projeto assenta no princípio “equipa que ganha não se mexe”. E como é por todos conhecido o êxito da intervenção na Praça Velha e na Rua do Comércio, aposta-se nos mesmos materiais e na alteração, remoção e movimentação dos elementos. O facto de se ter perdido população, comércio e consequentemente atratividade no centro histórico, depois de milhões de euros investidos no espaço público, sem que o privado acompanhe ao ritmo desejado, deveria, no mínimo, levar o D. Sancho à psicoterapia. No fundo fica aqui provado o princípio Bruno de Carvalho aplicado a municípios. Apesar de ter uma enorme legitimidade para governar, nada nos garante que o património de todos não se vá rapidamente subtrair.
O objetivo passa por vender a cidade como um povoado que fez um “upgrade” em Noites Brancas, Santos, Crossfit (e como é pesada a cruz da FIT no nosso lombo), do “rooftop” da Torre dos Ferreiros e em que se assiste a “live-acts” no anfiteatro da Misericórdia? Estamos no caminho certo. Se a genuinidade ainda significa algo para quem nos procura e para os que resistem, definitivamente não.
É certo que há um prazo de 30 dias para consulta. Para o fazer foi acionado o programa Complicadex. Consta do mesmo a ausência de informações no sítio do município na Internet, o preenchimento do 20 formulários em duplicado, completar dois cubos de rubik versão braile e leitura do documento em cantonês, para no final, na melhor das hipóteses, ouvir um “tente de novo” ou ainda “E da Praça Velha ninguém disse nada?”
As noites estão quentes e tivesse eu um banco luminoso sem encosto para ver a Misericórdia e, com toda a certeza, a praça teria mais um peão. E como eu milhares. Para atenuar essa mágoa ou vejo um “Best Of” do “Malucos do Riso” ou um “Prós e Prós” sobre o Interior, em que centenas de pessoas estão num auditório com um ar muito sério, a ouvir promessas estafadas e de uma orquestra e uma apresentadora que pensa que as pessoas vivem à base de ar puro, cheiro de pão de lenha e se alimentam, na grande maioria, daquilo que cultivam na horta.
Por: Pedro Narciso