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Nada sei de fantasmas

Maria Afonso

— a menina ouve e não responde

e tudo caía num vazio, num quarto escuro

eu, menina de três anos, com medo de morrer

com medo do medo

na quinta dos avós havia patos e coelhos

eu tinha fatos de banho com borboletas para ir à praia

tivesse eu sido o Peter Pan e aprenderia a voar,

mas enquanto o verão se expandia

suportava ser a menina

compadecida no seu nome

e rigor

conservo o mesmo quarto escuro,

mas já não sou a criança e ninguém acende a luz

para aprendizagem do abandono e da solidão,

nesse percurso observo a errância dos porcos

andando de um lado para o outro,

são visíveis da porta que tento abrir para me reencontrar

com um outro escuro talvez sem mácula,

por isso conto histórias

pego no corpo dos outros para lhes extrair o interior

e neles me espelho porque desenho com

todo o corpo em plenitude,

assim desobedeço e desalojo a ordem estabelecida

descubro o caminho através de uma luta interna

submersa nas águas em queda

e dádiva infinda

nada sei de fantasmas

ser pessoa é também ter raiva

conviver com a beleza do nosso

lado grotesco e cruel

com as trevas sem rumor nem o bulício

sonâmbulo da chuva de um nome

os meus bonecos são bonecos de velhice

e as histórias que conto é como se não tivessem fim

apenas a consumação da eternidade

na minha impaciência o medo expande a luz

mais violenta desperta-me com palavras

abundantes – assim rasgo a escuridão

que divido com deus nos seus

eclipses

(Um dos poemas inéditos escrito pelos poetas ibéricos que participaram no SIAC em homenagem a Paula Rego e que cada um “converteu” em poema visual no novo estúdio de gravura do Museu da Guarda).

Comentários dos nossos leitores
Elsa Francês elsamaria@eb23sacaduracabral.eu
Comentário:
Simplesmente maravilhoso…perfeito retrato de Paula Rego!
 

Sobre o autor

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