Jorge Velhote
Começa na cabeça uma linha que se ergue do ombro até ao olho.
Aí se emaranha de filamentos o cabelo de onde cai até aos pés um novelo de ardósia para que se não esqueça onde a tristeza se demora.
Nessa opacidade lapida-se o que se inscreve do arcaico som da voz
onde se entranha a povoação dos animais e dos enigmas – é uma clausura
que arboresce pela mudez e no sussurro da roupa sobre a pele.
Não se ignore o que pela sombra se expurga. As mãos em riste desenham
uma diagonal que fronteira os pés descalços onde o vento parece ter plantado
um tufo de texturas fiéis ao negrume mais sombrio.
O pescoço de um cisne amarrado nos braços desentranha uma substância assombrosa como se despendido fosse o momento nos seus volumes e segmentos – depois é com infinito cuidado que se estendem as sombras do olhar onde drapejam feridas oriundas do estudo da luz e do uso singular do que se instrui em dor a pulso fidedigno e insiste.
Ao fundo podemos observar a fixidez de uma outra luz como quem recebe os frutos de um sacramento um sinal especular que doura a eternidade desvenda a solidão e deslumbra o indelével selo que defunta visceral.
Desse bafo se conduz a alma em oferenda numa alegoria subtil que alguém perscruta com a paciência da lavoura ou rematada convalescença.
Sacode-se o júbilo com o cinzel oficinal e todas as criaturas acendem-se em vigília no vagar mineral dos seus gestos que surgem revelando a exaltação incontida que tinge o halo da pele que congrega como o pensamento escombra – aí difundem-se as cicatrizes do amor o que vem e incita como lençol
e assenta o que meandra na alegria e difunde a efervescência do mito
em lágrimas escolhidas enquanto espanta na garganta o peso da matéria.
Agora o que se observa é um rasgão que não arrefece nem ausenta em tarefas e melancolia – nessa penumbra enxugam-se os dedos consumindo o fogo e circunstâncias – o ofício que incita o desassombro despedindo a dobra dos caminhos – a essência da sabedoria.
Sobre a virgindade dos anjos nada se diz apenas se observa estampado o que acústico se ilumina célere na sua ausência a operar a minúcia infalível da velhice e nessa atenção a claridade insólita ergue o que prolonga a dor em sua orla e vagar e de dentro aponta o que embacia o que é dado ver – não se constrange o que é sagrado o que subsiste em luto e na escuridão incandesce íntimo do sigiloso e das entranhas mais fundas como pranto de lajes e lucidez a enlutar.
Nesse anonimato ilustra-se o que a morte oculta o milagre onde se declina o que se distingue a desolação que o tacto percute na mão se a tristeza é dolorosa e escama o espírito no seu sopro e despenha tenso dando à luz obstinado utensílio – nesse labor agasalham-se os matizes da nostalgia o que fulmina nas trevas insidiosas os espasmos da pupila e crava na carne a sua mão.
(Um dos poemas inéditos escrito pelos poetas ibéricos que participaram no SIAC em homenagem a Paula Rego e que cada um “converteu” em poema visual no novo estúdio de gravura do Museu da Guarda).