P – Numa edição marcada pelo mau tempo, qual é o balanço do IIIª SIAC?
R- As condições climatéricas não ajudaram na primeira semana, mas como os simpósios e as bienais acontecem tanto nos espaços formais como nos improváveis – com uma forte componente de ocupação do espaço vivencial urbano, particularmente ao ar livre, as contingências meteorológicas até dão uma certa naturalidade e graça aos acontecimentos desta natureza, se bem que causem alguma perturbação. O balanço é muitíssimo positivo. Tivemos uma exposição axial – como sempre fazemos – que está a ser um êxito (em 10 dias passaram pelo Museu 2.049 pessoas) cuja curadoria reuniu obras de três importantes núcleos de arte contemporânea: Casa das Histórias Paula Rego, Fundação de Serralves e Centro de Arte Manuel de Brito. Além do mais, a Paula Rego está muito satisfeita com o resultado, já que a temática adotada permitiu-nos escolher as obras que queríamos na Guarda. Além da arte que expôs e a que se produziu, a Guarda passou a ter um estúdio de gravura totalmente equipado e uma secção de exposição permanente dedicada à história antiga e moderna da cidade com uma linguagem museológica atrativa. Acho que esta terceira edição consolidou definitivamente a afirmação da Guarda no espaço e calendário artístico nacional. Até porque nestes 15 dias tivemos um contingente considerável de visitantes que são ‘habitués’ dos grandes centros de arte e por aí vemos que despertámos o interesse (também) desse público mais especializado, o que é muito gratificante.
P – E qual foi o momento mais marcante deste simpósio?
R – Acho que o SIAC teve vários momentos determinantes, mas sinceramente não sei destacar. Se a inauguração da exposição da Paula Rego teve cerca de 400 pessoas (números que retirámos de acordo com a distribuição do catálogo do Novo Banco), a verdade é que exposições como a do consagrado artista visual Sebastião Resende, a da escultora Susana Miranda, juntando-se à coletiva de artistas internacionais na galeria do TMG valem por si e constituem momentos únicos. Todavia a componente científica e pedagógica do SIAC foi muito importante. Tivemos o I Congresso de Investigação e Criação na Arte Contemporânea, coordenado pelo professor da Universidade de Salamanca Antonio Navarro, um curso de gravura, um curso de desenho de modelo nu (ministrado pelo grande artista guardense Daniel Gamelas) e outro de poesia visual. Além disso tivemos 11 workshops da área das artes plásticas: os nossos jovens puderam aprender, gratuitamente, com mestres como Susana Miranda, Jaime Carvalho ou Philippe Amiraut, técnicas e procedimentos plásticos… Queria ainda ressalvar que este ano aconteceu um festival literário dentro do SIAC, o “Iberofonias – Convergências Literárias”: com apresentações de 9 livros de poesia, um recital e tertúlia com poetas da região da Guarda, palestras e três roteiros literários (Unamuniano, Cartografia de Escritores e o Vergiliano – este concebido pela BMEL e da responsabilidade de Anabela Matias)…
P – O que correu menos bem?
R – O facto de não termos conseguido instalar durante o SIAC os 30 painéis digitais de Arte Urnaba pela cidade (a que chamámos de ‘Via pictórica’) devido à humidade das paredes fustigadas pela chuva e que faremos em breve, foi um ponto menos bom. Mas por se tratar de um acontecimento ‘in vivo’ alguns momentos tiveram – como em todas as bienais acontece – de ser adiados e reprogramados por imprevistos havidos com os oradores, caso da Emília Ferreira, diretora do Museu do Chiado, que foi confrontada com um impedimento familiar, e de Ana Rita Albuquerque, que adoeceu.
P – O SIAC tem apostado em exposições de artistas conceituados. Já passaram por cá obras de Graça Morais, Júlio Pomar, João Cutileiro, Paula Rego e Fernanda Fragateiro. É a estratégia para destacar a Guarda na área da arte contemporânea?
R – Julgo que há várias estratégias envolvidas e o sector da museologia é, no computo global da cultura, uma delas, mas a pessoa indicada para falar delas é precisamente o presidente da Câmara, Álvaro Amaro, que tem sido um entusiasta desta revoada cultural. Desde que o Museu passou para a administração do município abriu-se um novo corredor de possibilidades que antes era muito mais difícil, apesar do bom trabalho feito no passado. As transformações espaciais e lumíneas que paulatinamente introduzimos no Museu da Guarda, nomeadamente as duas grandes salas de exposição, são um espaço expositivo que não fica aquém de qualquer museu da península. E por isso permitimo-nos convidar sem receios nomes maiores das artes.
P – Para quando a presença de um artista nacional desse gabarito na Guarda por ocasião do SIAC?
R – O SIAC tem sempre uma exposição axial de homenagem a um grande nome das artes plásticas, mas ainda vivo. Ora tratando-se de pessoas de provecta idade sabemos de antemão que é difícil que os tenhamos entre nós. No primeiro SIAC homenageámos Coomonte – um dos maiores escultores ibéricos (ele gosta de usar esta designação). Apesar de muito doente – com 83 anos – esteve cá na inauguração. A saúde do Júlio Pomar, vinha a deteriorar-se, mas mostrava-se sempre muito entusiasmado com o que estava a acontecer na Guarda… O João Cutileiro (agora já o podemos revelar), como se já não bastasse a sua fragilidade, foi acometido de septicémia dois dias antes de inaugurarmos a sua exposição, mas esteve no Museu da Guarda dias antes da mesma. A Paula Rego já quase não se desloca… A Fernanda Fragateiro é um caso à parte, está em Nova Iorque e virá à Guarda em breve, antes do términus da sua exposição. Todavia, se quisermos manter o registo de homenagear um grande artista vivo, corremos sempre o risco de não os termos entre nós fisicamente por razões entendíveis. E o que nos resta dos mestres dos mestres? O Cruzeiro Seixas, por exemplo, tem 98 anos, o Nikias Skapinakis, tem 87. Não quero deixar de referir que tivemos entre nós nomes enormes “de gabarito”, como Pedro Cabrita Reis, Victor Pomar, Susana Piteira, Sebastião Resende, etc., que fruíram a cidade em ambiente convivial; com as pessoas. Isso é muito importante; não vêm de passagem: ficam uns dias, alguns até o SIAC inteiro…
P – O que falta fazer para o SIAC ter maior projeção no meio da arte contemporânea nacional?
R – Como disse, acho que o SIAC já conquistou o seu espaço na Beira Interior e no país: dizia-me há dias, em Lisboa, o Vítor Pomar que o SIAC tem vindo a crescer e agora é já uma referência irrecusável dos acontecimentos das artes plásticas nacionais. Mas ambicionamos aportações maiores para a Guarda porque, mais do que o mapa ideológico e particular (onde entram pessoalizações), interessa-nos o bem da cidade e isso está acima de tudo.
P – Este ano o SIAC teve uma extensão em Vila Nova de Foz Côa. É uma aposta para repetir em 2019? Onde?
R – Julgo que uma cidade que integra a dita “Região da Guarda”, consignando dois patrimónios Mundiais da Unesco como é Foz Côa, e que tem, na minha opinião, um dos mais belos museus da Europa são motivos mais do que suficientes para porfiarmos nesta colaboração. Mas terá de haver outros desdobramentos adicionais do SIAC, que devem partir naturalmente de propostas externas à organização. Foi o caso de Foz Côa este ano.
P – Disse recentemente que o SIAC já criou na Guarda um espólio de obras de valor superior a um milhão de euros? Como se chega a esse número?
R – Como é sabido, existem avaliadores que se ocupam desse mister; todavia, pedimos a cada criativo que faça uma avaliação da sua obra para podermos atribuir o respetivo seguro. O somatório de todas as obras de arte avaliadas por cada artista dá esse valor, sim. Quanto à subjetividade de tal processo é-nos alheia. Teremos sempre nesta matéria muitos cambiantes; por exemplo, o Novo Banco avaliou a coleção de cinco obras que deixou em depósito ao Museu da Guarda em 175 mil euros, desde a tela de Júlio Resende que importa em 100.000 euros (Título: ‘Coladera’, 150 X150) até uma de José Guimarães (Título: ‘3 Feitices’, 163×132) orçada em 20.000 euros…
P – O que mudou na Guarda com o SIAC? Ou que marca deixou impressa na cidade?
R – Acho que os guardenses podem responder a isso e têm demostrado de forma categórica a sua satisfação. E esse estímulo é absolutamente gratificante. Com o SIAC entremostrámos um museu do céu aberto, os cidadãos aproximaram-se dos espaços urbanos de cunho histórico – o Solar dos Póvoas, a Torre de Menagem, o Convento de S. Francisco (também antigo quartel militar e hoje Arquivo Distrital). Criámos um novo espaço museológico – o Campus Internacional de Escultura; um estúdio de gravura no pátio exterior do Museu e renovámos o espaço dedicado à história da região e da Cidade da Guarda – do Paleolítico ao séc. XIX. Mas tudo isto mercê de um esforço enorme do executivo municipal, a começar pelo seu edil, dos funcionários, colaboradores do Museu – que desveladamente se entregaram a esta iniciativa – claro, as agremiações políticas, sociais, culturais da cidade – sem esquecer a comunicação social.