Chegou ao fim o julgamento de Vítor Pereira e Manuel Santos Silva, que estão acusados do crime de prevaricação de titular de cargo público. Nas alegações finais o Ministério Público pediu a condenação do presidente da Câmara da Covilhã e do ex-presidente da Assembleia Municipal, mas a defesa considerou que o caso nem deveria ter chegado a julgamento.
O Ministério Público (MP) pediu quatro anos de prisão, com pena suspensa, para o presidente da Câmara da Covilhã e para o antigo presidente da Assembleia Municipal por prevaricação de titular de cargo político no caso dos terrenos do Canhoso.
Na sexta-feira, nas alegações finais do julgamento que decorreu no Tribunal da Covilhã, a procuradora do MP considerou que no caso de Vítor Pereira se deverá também aplicar a perda de mandato pela necessidade de «prevenção geral especial», motivada pelo facto do autarca se manter em funções após ter sido reeleito nas últimas autárquicas. A magistrada justificou que ficou provado em sede de audiência que os dois arguidos «prejudicaram» e «lesaram» os interesses do município ao terem estabelecido um acordo extrajudicial que pôs fim a uma ação em que a mulher e a cunhada de Manuel Santos Silva já tinham sido condenadas em duas instâncias. Para o MP, os arguidos agiram para fazer um «negócio que foi lesivo para a autarquia» e isso é demonstrado pela prova documental, que a procuradora classificou como «extensa e abundante». Na sua opinião, o acordo subsequente constituiu «um duplo prejuízo», já que, além de ter reduzido o valor a receber, não incluiu a resolução de outra ação em que a família de Manuel Santos Silva pedia à Câmara uma indemnização de cerca de 400 mil euros pela ocupação de outros terrenos.
Recordando os emails trocados, as diligências realizadas e a intervenção direta do presidente da Câmara, o MP sustentou que «tudo foi feito» para «beneficiar» as familiares de Manuel Santos Silva. E acrescentou que não era real o risco do município perder tudo, sendo que «o normal» numa situação destas era esperar pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça. O advogado de Carlos Pinto, antigo presidente da Câmara, que se constituiu assistente no processo, também defendeu que os arguidos devem ser condenados «de forma firme», não só pelo crime de prevaricação, mas também pelo crime de participação em negócio. Isto dado o «elevado grau de ilicitude» dos atos, tendo em conta as normas, as leis e os códigos administrativos que foram «atropelados» com este acordo, que considerou ser uma forma de pagar o facto de Santos Silva ter integrado a candidatura de Vítor Pereira à Câmara em 2013. Na sua opinião, a atuação de ambos foi «premeditada», tendo classificado o caso como sendo «um triste exemplo do pior que se faz em gestão pública no país».
Já Magalhães e Silva, advogado de Vítor Pereira, afirmou que este caso representa «uma perigosa judicialização da política» e acrescentou que, se o MP acreditasse efetivamente na ilicitude do acordo, teria acusado todos os vereadores da Câmara que votaram a favor. Relativamente à motivação, o causídico declarou que «é óbvio que houve vontade de estabelecer acordo», mas sublinhou que tal não implica que haja crime ou ilícitos.
O advogado disse ainda que no Direito Penal não cabe o julgamento de atos de gestão nem tão pouco as «críticas negativas ou positivas» dessa gestão, mas tão-somente «a relevância criminal dos factos», que considerou não estar preenchida. O mesmo defendeu o advogado de Manuel Santos Silva, para quem a acusação teve «motivação política», comparando-a a um «jogo de Lego» em que as mesmas peças podem construir «coisas diferentes». Referindo que os factos são verdadeiros, negou a motivação lesiva apontada pela acusação e, como tal, pediu a absolvição dos dois arguidos. A leitura da sentença está marcada para 11 de julho, às 14 horas.
Caso remonta a 2007
Em causa neste julgamento está a suspensão do processo que opunha a autarquia a familiares de Santos Silva por causa de um terreno no Canhoso. O acordo entre as duas partes terá ignorado o processo judicial em que a mulher e a cunhada de Manuel Santos Silva já tinham sido condenadas a pagar 265 mil euros, acrescidas de juros de cerca de 75 mil euros, que à data estavam perto dos 100 mil euros. Um valor que era mais do dobro do que aquele que a autarquia aceitou receber – um prédio avaliado em 119 mil euros e mais uma verba monetária de 13 mil euros.
Tudo começou em 2007, quando a autarquia covilhanense, então liderada por Carlos Pinto, moveu um processo contra Teresa Oliveira Silva, esposa do antigo reitor da UBI, e a cunhada Rosa Oliveira Cruz por incumprimento contratual das familiares de Santos Silva que, perante o interesse em lotear um terreno no Canhoso, tinham em contrapartida que construir num dos prédios a futura sede da Junta de Freguesia. O acordo foi aceite pelas partes, mas o terreno foi loteado sem que o espaço para a sede da Junta tivesse sido cedido. A Câmara acabou por construir o edifício noutro local, numa empreitada que alegadamente custou cerca de 265 mil euros.
Já em 2013 Teresa Oliveira Silva e Rosa Oliveira Cruz foram condenadas a ressarcir a autarquia pelo incumprimento do acordado e recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou a decisão da primeira instância, mas a sentença foi alvo de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Segundo a acusação, já depois de Vítor Pereira ter assumido a presidência da Câmara e Manuel Santos Silva a presidência da Assembleia Municipal, a Câmara suspendeu a ação que estava no Supremo e as partes diligenciaram um acordo extrajudicial. Dado o cargo que Manuel Santos Silva, representante das proprietárias – a ainda que tivesse deixado de ser mencionado formalmente como tal –, passou a ocupar, o MP considera que tinha um «acesso privilegiado» ao desenrolar do processo, concluindo que «procederam pois os dois arguidos em conjugação de esforços e intenções, de forma concertada».
A acusação considerou ainda que existiu uma «clara violação dos princípios de isenção, imparcialidade, defesa de interesse público e de boa administração dos dinheiros públicos» e acrescentava que Vítor Pereira também não exigiu qualquer contrapartida negocial para que as intervenientes no processo desistissem de uma ação judicial que entretanto também tinham interposto contra o município e na qual reclamavam o pagamento de quase 400 mil euros.
Luis Martins