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Obituários precipitados e eternidades antes de tempo

As últimas semanas da vida política nacional mostraram que, afinal, nem tudo o parece é. E que muito do que é não o aparenta. O que é normal porque, em política, nada é mais transitório do que certezas pré-assumidas. A discussão em torno da descida da TSU – medida compensatória do aumento do salário mínimo – expôs um conjunto de assunções com escassa aderência à realidade. De repente Passos Coelho já não está morto e a geringonça já não é duradoura. Certo? Talvez sim, talvez não.

Passos Coelho anunciou que votará contra a descida da TSU, contrariando uma posição há muito defendida por si e pelo seu partido. Foi chamado de cata-vento político por se opor àquilo em que acredita só para relevar as contradições que subjazem à plataforma que suporta o Governo. Acusação com tanto de justa como de ridícula. É justa na medida em que é verdadeira, pois Passos rejeita apoiar uma medida em tudo idêntica à que defendeu em 2014. O que até nem devia causar estranheza, porque foi dando o dito por não dito que inviabilizou o PEC IV e venceu eleições, afiançando não aumentar impostos nem cortar salários. Ridícula porque, aquando do nascimento da geringonça, Passos logo avisou para não contarem com o PSD para dar a mão ao Governo quando as quezílias começassem a ensombrar o casamento das esquerdas.

A verdade é que Passos estava morto de tanto esperar pelo diabo que tarda em chegar. Agora esperneou e deu de si. Para ele o resultado não podia ser mais positivo: expôs as fragilidades da geringonça e atirou óleo para a pista onde corre Rui Rio e putativos desafiadores. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Passos não só não está perto de voltar a ser primeiro-ministro como o caminho das pedras está para durar. Não sou eu quem o diz, são todas as sondagens.

Ainda com a TSU em pano de fundo, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares proclamou que o PS não mais precisará da direita para governar. Pedro Nuno Santos não só ignorou o identitário traço social-democrata que une PS e PSD, como decretou um novo arco de governação socialista, cingido à esquerda parlamentar. Esta consideração ignora a possibilidade de o PSD regressar a uma posição de centro moderado e exclui a hipótese de o CDS regressar à democracia-cristã com a qual se fundou o projeto europeu. Mas não só. Imobiliza eleitoral e programaticamente o PS, amarrando-o aos ditames de uma esquerda com a qual, daqui em diante, será cada vez mais difícil negociar. E governar.

Com mais de dois terços das medidas definidas nas posições conjuntas já implementadas (contas do “Público”), doravante, como notou Bagão Félix, já não serão as medidas de distribuição mas as de criação de riqueza a marcar a agenda. Precisamente aquelas em que a distância entre PS e BE, PCP e Verdes é maior. É por isso que Francisco Assis tem razão quando fala em risco de “paralisia”. Dificilmente ultrapassável sem renovação de votos no casamento das esquerdas, ou seja, sem novas posições conjuntas. E é também por isto que Nuno Santos se precipita ao garantir vida eterna à geringonça.

Por: David Santiago

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