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A opção nuclear espanhola

Agora Digo Eu

Portugal, ao que parece, acordou somente agora dando corpo à máxima popular de apenas se lembrarem de Santa Bárbara quando ouvem os trovões. A opção nuclear espanhola é deveras parecida ao Constantino, “a fama vem de longe”.

Com efeito, a escolha da energia nuclear remonta aos anos 70 em pleno governo de Carrero Blanco, a que todos os outros deram seguimento, com exceção do PSOE no primeiro governo presidido por Felipe González. O Boletim Oficial do Estado publica em 1972 e 1973 uma série de resoluções do Conselho de ministros onde a Direção-Geral de Energia autoriza a ENUSA (Empresa Nacional de Urânio SA) a adjudicar a construção de centrais nucleares, a maioria no interior e junto à fronteira com Portugal.

Valdecaballeros (Badajoz) começou a ser construída em 1975, não chegou a entrar em funcionamento por decisão do governo socialista em 1984.

Sayago (Zamora) foi decidida a sua construção em 1973 e a ideia foi abandonada também pelo governo de Felipe González em 1984.

Juzbado (Salamanca), inicialmente pensada para aí ser construída uma central nuclear, a ideia não se concretizou mas nem por isso a ENUSA – Industrias Avanzadas deixou de ali instalar, em 1985, uma fábrica onde o urânio é dono, senhor e rei, fornecendo às centrais nucleares de Almaraz, Ascó, Trillo e Vandellós um total de 150 toneladas de urânio com vários tipos de enriquecimento.

Depois foi a mina de urânio, a céu aberto, de Salices el Chico, a escassos quilómetros de Ciudad Rodrigo, que laborou entre 1974 e 2001 e isto sem esquecer o projeto de Aldeadávila de la Ribera (Salamanca), onde se pretendeu construir um cemitério de resíduos nucleares de toda a Espanha, bem como de alguns países europeus, o que fez com que projeto fosse garantido e financiado pela Comunidade Europeia. Diga-se, em abono da verdade, que se a ideia tivesse ido em frente o seu potencial radioativo global poderia atingir níveis de concentração nunca antes existentes em qualquer parte do mundo.

Neste processo a Guarda esteve bem. A Assembleia Municipal, em reunião de 30 de dezembro de 1991, aprovou, por unanimidade, uma moção contra a construção desta lixeira, criando assim uma vaga de fundo que se estendeu a câmaras e assembleias municipais dos distritos de Bragança, Vila Real, Castelo Branco e Guarda, rejeitando, em definitivo, a construção deste perigoso aterro radioativo na bonita localidade de Aldeadávila de la Ribera.

E heis-nos chegados a 2017 e cá estamos perante o problema de sempre. Não nos bastava a falta de segurança de uma central nuclear podre e velha, qual cafeteira enferrujada, onde, conforme denunciei no artigo de 10 de outubro de 2016, «em Almaraz estão a ser utilizadas peças de alumínio e manganésio com visível falta de qualidade».

Esta central entrou em funcionamento em 1981, pelo que o seu encerramento e selagem já deveriam ter sido efetuados em 2010, pois no seu triste historial conta com mais de 2.500 avarias, tendo estado parada por duas vezes em 2016, não havendo, por parte dos responsáveis, qualquer explicação. A somar a tudo isto querem “brindar-nos” com mais uma lixeira nuclear em Almaraz. Haja Deus…

Infelizmente tudo isto não acaba aqui. Vem aí um novo capítulo da telenovela sem fim à vista. Retortillo é a nova invenção espanhola. A mina de urânio, a céu aberto, entrará em funcionamento este ano, é mesmo aqui, a escassos quilómetros de Almeida e Figueira de Castelo Rodrigo. Vai ter aproveitamento numa área de 2.500 hectares, em zona protegida, atingindo uma profundidade de 120 metros e autorizada a laborar durante os próximos dez anos.

Entregue à Berkeley minera, o projeto está a avançar. O desvio da estrada SA 322 ao km 30 é uma realidade, o abate de 25 mil árvores já começou e a lixiviação estática misturada com ácidos sulfúrico, clorídrico e soda cáustica, ingredientes necessários à decantação do mineral, farão com que as águas do rio Yeltes, que corre para o Huebro e este desagua no Douro, ponha em causa o riquíssimo ecossistema do Douro internacional, considerado por muitos especialistas o mais rico e importante do país, contendo uma notável variedade de plantas e animais.

Fica assim demonstrado que Espanha quando fez a sua opção energética privilegiou sempre as populações do interior, onde o poder reivindicativo é quase nulo, contando com a passividade incrível das autoridades portuguesas. É tempo de acordar e dizer que o rei andou, anda e continua nu, abanar consciências, decisores e instâncias internacionais, pois se nada for feito, Espanha continuará a “brindar-nos” com uma opção que, felizmente, Portugal não tomou, mas que, infelizmente, levou, leva e continua a levar por tabela. É tempo de se sentarem à mesa e chegarem a consensos dizendo basta. Já chega. Dizendo, pois é caso disso: “Arre porra. É demais”.

Por: Albino Bárbara

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