Como estás caro Rei? Como te sentes?
I) Serve esta missiva para te agradecer o ato fundador de 1199. A bula Mannifestis Probatum do papa Alexandre III em 1179, confirma D. Afonso Henriques como rei de Portugal. Lisboa, Santarém e Coimbra obtêm foral nesse ano. Decorridos apenas 20 anos, a 27-Nov-1199, em Coimbra, garantias-nos autonomia, apoio à comunidade, povoamento, organização e defesa. O foral, pacto entre o Rei e o concelho, tem esta inegável dimensão contratual. Fomos dos Primeiros!
E nós, como te retribuímos a distinção? Colocando-te a um canto duma praça com nome de outro (Luís de Camões). Tens por vizinha a Sé. Até parece que por pirraça! Não sabem que antes preferias o povo à igreja? O teu reinado foi uma rixa constante com o clero, personalizada no prelado da cidade do Porto.
Se de vizinhança e local estamos conversados, de visitas (imperiosidades urinárias), não devemos falar. Isto tem que mudar! Como alternativa não aceites cantos ou pracetas nem sequer rotundas. Só é digno de fundador uma praça central, e com nome próprio.
Quem não honra a memória, não merece ser recordado!
II) Perguntas, como está a tua cidade? Olha! Vai estando… Como sabes, o 25 de Abril encontrou-nos com muita gente, mas pobre. Quase todos na agricultura. Muitos analfabetos. Água, saneamento básico e estradas eram uma miragem. Luz elétrica um sonho para muitas aldeias. No período seguinte, houve avanços muito significativos nesta área. O ensino superior arribou à Guarda mas tem perdido algum do seu fulgor. A arte ganhou os seus espaços. Como apreciam os artistas, e gostamos nós, do TMG. Como é agradável um fim de tarde na biblioteca Eduardo Lourenço. Foi determinante o apoio ao associativismo cultural e recreativo no concelho. As inúmeras associações existentes no concelho, encimadas pelo centro cultural, muito devem a esse período.
Mas como diriam, já no teu tempo, tudo o que nasce, cresce e morre. Nas palavras do patrono da praça onde te colocaram, «Todo o mundo é composto de mudança, Tomando novas qualidades».
III) Vê só! Até indivíduos que nunca andaram nestas andanças saíram à rua. Surgiu um “movimento independente” com a inicial da nossa cidade o “G”. De forma espontânea e desinteressada alguns, outros nem tanto…, como sempre! Este abrir de portas fez vento e confusão na situação. Levaram à letra a luta contra a novidade e o caso acabou no Tribunal Constitucional. D. Sancho, não sejas precipitado, concordando tu, que não há melhor local para dirimir diferenças. Repara que, grande número dos juízes ali presentes é nomeado pelos partidos. Pertencer a um partido é ser partidário. De isenção estamos conversados! Aconteceu assim, o que tinha que acontecer! A novidade morreu, mas a amplitude da mudança mede a força da sua alma. Cumpriu-se a lei da física – o ricochete no atirador foi proporcional à intensidade do disparo. Contas feitas, assunto encerrado.
IV) Nova corrida, nova viagem… Novos protagonistas, mais ação. Muita intuição para fazer obra visível com o dinheiro disponível. Também muita diversão. A oposição ajudou (à festa!), cedendo o palco todo.
Assistimos ao 1º Simpósio Internacional de Arte Contemporânea. Dezenas de artistas a troco de pouco, disponibilizaram o seu empenho e criatividade. Ficou arte de que todos usufruímos graciosamente. A cidade e a comunicação social, parafraseando Fernando Pessoa, primeiro estranhou, depois (que remédio), entranhou. Eu, por mim, conto os dias para o 2º!
As críticas acordaram tarde, mal e por questões laterais (as árvores, os parques…). Os parques mereciam requalificação há muito.
Assim vai a tua cidade, assim nos vamos entretendo.
Ultimamente com um jogo de apostas. Vá-se lá saber porquê? Talvez inspirados por uma canção entoada na última Feira Farta – “Eu tenho dois amores…” – a cidade interiorizou o refrão como um presságio para o presidente da nossa terra. Não há elemento do PSD que não acorde com o pesadelo de o ver em Coimbra; nem elemento do PS que não sonhe vê-lo no mesmo local. Ele, hábil, com o tempo por amigo, vai dizendo que com as andorinhas virá a novidade.
Também tu, D. Sancho, ficaste curioso com o desfecho? Ou serão ciúmes do teu trineto D. Dinis? Não te posso ajudar, não sei deitar os búzios. Mas, tenho fé em ditados populares e, como diriam no teu tempo, “vale mais um pássaro na mão que dois a voar”. Ou, como dizem na minha terra, “mais vale burro que me carregue que cavalo que me derrube”. Aqui fica o meu palpite.
V) A charla vai longa, há que concluir. A Guarda tem vivido melhor, mas não cresce. Tem muita coisa, mas falta o essencial, GENTE. O despovoamento, em especial de gente nova, é o nosso Nó Górdio. Como és sensível a este ponto, caro Povoador.
Em 1960 tínhamos 44.708 habitantes, dos 0 aos 65 anos. Em 2011, último censo, tínhamos 33.668. No mesmo período passámos de 4.286 para 8.873 habitantes com mais de 65 anos. Despovoamento, não como erroneamente lhe chamam, desertificação. Primeiro despovoamento, depois a desorganização do território e, se não fizermos nada, chegaremos à desertificação. Desertificação como ponto de não-retorno.
Estás tu a dizer-me, criem emprego! Exato. Mas a dimensão da empreitada é enorme. É urgente. Estamos perto de um ciclo vicioso em que não há gente porque não há emprego. As empresas não se fixam porque não há mão-de-obra.
Este é o assunto! Prescinde de tática e carece de estratégia, no concelho, na região, no país. Fernando Pessoa diz que entender um problema «envolve esmiuçar o mais possível: resolver envolve simplificar». Todos somos poucos para a empreitada. Todos nos devemos interpelar, inspirados por John Kennedy, «o que posso fazer por este chão que piso?». Este é o problema, esta é a missão dos nossos representantes. Necessita de «formulações fora da caixa», como diria Jorge Sampaio. Entre outras, por exemplo, localizar (de facto), serviços e organismos do poder central em zonas do interior. No fundo, «idealismo com senso do real» de que falava Raul Proença. A garantia desta equidade regional é um passo no sentido da «lusitanidade exemplar» de que fala Eduardo Lourenço. É absurdo? A Alemanha já fez o mesmo!!
Por aqui me fico; a conversa já vai longa. Espero, em breve, dar-te novas da nossa Cidade e da tua Praça.
Recebe um abraço amigo.
José Valbom, médico (Guarda)
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