1- O Governo quer sempre o melhor para os portugueses. Primeiro, sabedor das terríveis condições em que se encontrava o país, mandou emigrar. Agora, e apesar da taxa de desemprego estar ainda em níveis historicamente elevados, o bom do Governo quer promover o regresso dos emigrados durante a crise. Ano de eleições é sempre sinónimo de fim de crise.
A ideia provém do douto secretário de Estado Pedro Lomba que, após dois anos de profunda reflexão e ponderação, conseguiu encontrar forma de providenciar o saudado regresso de… 30 ou 40 portugueses emigrados durante a crise. Se possível jovens. E jovens porquê? Porque aptos a procriar, outro dos desígnios da nação. Pelas contas do jornalista Fernando Sobral, em singelos 8.750 anos teremos de volta os 350 mil emigrantes que abandonaram o país desde o início da crise. Espera-se que ainda aptos a procriar.
Mas “o seu a seu dono”. Numa semana de ideias luminosas, esta pertenceu à ministra Maria Luís Albuquerque que, inebriada pela presença ululante de tantos coelhos “jotinhas”, disse que agora que o país tem um rumo e um futuro, graças aos “cofres cheios”, é altura de procriar. E assim resolver os problemas demográficos, da sustentabilidade da Segurança Social e até, especulemos, permitir a reabertura da Maternidade Alfredo da Costa. O deputado João Morgado, celebrizado por Natália Correia, não diria melhor.
“Multipliquem-se”, atirou a ministra para gáudio de uma plateia de ratinhos de laboratório que quer ter “bolsos cheios” à custa de uma qualquer Tecnoforma ou assessoria. Assegurando que à falta de melhor situação, “a verdade é que havendo condições razoáveis eles criam-se e compensa”, a ministra assume o discurso do “pobre mas feliz”. É a ideia de que o amor tudo ultrapassa. Até a fome. Pena que no meio de tanta boa vontade, Maria Luís não tente também promover a multiplicação dos pães.
Isto é todo um tratado sobre a mentalidade de quem, desconhecendo as raízes e valores de um povo, tudo resume à visão do Tio Patinhas. Foi, também, esta a mentalidade que predominou décadas num Portugal analfabeto, condenado à ignorância, ainda antes do Estado Novo, por Republicanos que temeram instruir o povo.
2- Mas a ignorância continua a predominar. Basta olhar para a discussão sobre os “cofres cheios”. António Costa critica quem deixou os “cofres cheios” quando uma parcela importante da população permanece condenada à miséria e desemprego. Passos Coelho critica quem deixou o país com os “cofres vazios” e não tem vergonha de criticar quem os encheu.
É também por isto mesmo que nunca nenhum povo como o atual, o mais instruído de sempre, esteve tão afastado de uma classe política – inflacionada de demagogia mas deficitária de autenticidade. Porque é evidentemente bom ter os “cofres cheios”. Como é evidentemente mau que estes estejam tão cheios quando predominam tantos bolsos vazios. O cenário ideal estará, certamente, a meio caminho. Mas admiti-lo exige prestar atenção a algo a que os nossos políticos são avessos – a realidade.
Por: David Santiago