O ano não começou da melhor forma, isso é certo. Os últimos dias foram profícuos em notícias e nem sempre as novidades foram aquelas que gostaríamos de conhecer. Cinjamo-nos apenas a dois casos que fizeram, e continuam a fazer, as parangonas de qualquer órgão de comunicação que se preze.
Com os acontecimentos que abalaram a França, eterno paladino dos direitos fundamentais herdados da Revolução Francesa, temos matéria mais do que suficiente para refletir. Mais, parece-me mesmo que temos a obrigação de neles refletir. Num mundo cada vez mais exíguo quando se fala da relação distância/tempo, aquele terrorismo está bem aqui ao dobrar da esquina. Talvez por isso, por quase serem nossos vizinhos do lado, estes acontecimentos tenham assumido um peso que outros não tiveram porque arredados geograficamente do mundo dito desenvolvido.
Não que estes atentados de um terror que quase desconhecíamos, pelo menos sob este modus operandi, não sejam condenáveis à luz da sociedade do século vinte e um. Não que não partilhemos por inteiro as dores de familiares e amigos que viram os seus partir sem que em nada tenham contribuído para lhes serem assim, selvaticamente, ceifadas as vidas. Não que não condenemos veementemente este fanatismo religioso, desta ou de qualquer outra religião, que não hesita em imolar-se imolando outros. Não que não nos perguntemos que deus tão demoníaco pode levar os seus fiéis a cometer tais atrocidades.
Mas, não nos devemos também perguntar onde estão, ou estavam, os altos responsáveis políticos do mundo que a si mesmo se outorga o adjetivo de civilizado quando na Síria são abatidos civis aos milhares? Quando em África se continuam a massacrar inocentes aos magotes? Quando a questão palestina dura há décadas sem que se entreveja uma solução? Quando populações inteiras são riscadas do mapa da vida só para que os senhores da guerra continuem a poder sobreviver? Quando as mulheres continuam a ser mutiladas e mortas à luz de tradições bárbaras?
Uma segunda questão prende-se com o mortório em que o Mar Mediterrâneo se vem convertendo enchendo os bolsos a uns poucos, não menos terroristas que os outros, que exploram até ao tutano a miséria humana de quem já nada, a não ser a vida, tem a perder. Nas praias de Lampedusa ou nas ondas do mar, os cadáveres são às centenas, milhares. E a Europa, e todo o nosso mundo civilizado, continuam a não querer ver a verdadeira dimensão desta tragédia. Que medidas verdadeiramente estruturais, foram tomadas até agora para poder, se não sanar pelo menos apaziguar, o problema? Que poderemos esperar, se não houver uma intervenção de fundo, de pessoas que de seu têm o desespero como companheiro?
E depois, acontecimentos como estes vêm desenterrar velhos fantasmas que julgávamos para sempre enterrados e bem enterrados. Olhe-se para o ressurgimento em grande escala dos movimentos que fazem da xenofobia um cavalo de batalha. Veja-se o crescimento de grupos e grupúsculos radicais em diversos países europeus. Estaremos nós, europeus, preparados para um regresso a um passado não muito longínquo em que o fanatismo político, racial, religioso também, teve consequências catastróficas a nível europeu e mundial?
Que se saiba fanatismo não se combate com fanatismo. Por muito que muitos pareçam acreditar que sim. Ou queiram fazer acreditar a alguns que sim.
Por: Norberto Gonçalves