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Vigiados de perto

Deixamos muito mais rasto do que pensamos. Numa viagem de carro normal de três ou quatro horas iremos ser registados em portagens, no pagamento do combustível na estação de serviço, de cada vez que usarmos o cartão multibanco ou o telemóvel. Estes, então, são cada vez mais sofisticados. Os que têm GPS vão registando os locais por onde vamos passando ou onde vamos com mais frequência, num ficheiro bem escondido (no IPhone em privacidade/serviços de localização/serviços do sistema/locais frequentes).

Na internet, todos os “sites” que visitamos são armazenados no browser e a Google vai fazendo o nosso retrato a partir das nossas pesquisas, sugerindo-nos hotéis quando procuramos uma morada ou livros quando investigamos um assunto. A conta gratuita do Gmail traz um preço: o conteúdo dos nossos e-mails é tratado com algoritmos que irão depois, ao mesmo tempo que é completado o nosso retrato digital, servir para nos propor produtos e serviços. Como dizia Tim Cook, CEO da Apple, referindo-se precisamente ao Gmail, quando algo nos é fornecido gratuitamente é porque o produto somos nós. Este produto, nós, é livremente transacionado nesse mundo virtual. As bases de dados com nomes, endereços electrónicos e hábitos de consumo valem milhões e sustentam negócios de milhares de milhões. A Amazon sabe de que livros gosto e sempre que é publicado algum que me possa interessar manda-me um e-mail e uma hiper-ligação ao site onde poderei fazer a compra.

Os computadores e os tais algoritmos, cada vez mais trabalhados, cada vez mais precisos nas suas conclusões a nosso respeito já sabem mais sobre nós do que os nossos amigos. As Finanças também. Com as deduções agora aprovadas para o IRS, em que iremos poder submeter, para obter benefícios fiscais, facturas de restaurantes, de supermercado, de mais áreas de consumo do que até aqui, iremos levar ainda mais longe, e agora com a nossa colaboração activa, a exposição das nossas vidas. O fisco saberá quando consumimos de cada produto, a que preço e onde o comprámos. Programas informáticos irão depois analisar os nossos hábitos de consumo e preencher os espaços vazios com extrapolações retiradas de períodos com mais informação. Irão depois comparar esses dados com os rendimentos que declarámos, ou que nos são conhecidos. Um dia chegará em que o fisco, ou o Estado, terá acesso sem restrições ou dificuldades de maior também às nossas contas bancárias, aos nossos registos médicos, aos nossos hábitos na internet, aos muitos registos que nos dizem respeito, e nesse dia, mesmo que já ninguém se atreva a fugir aos impostos, a informação disponível sobre nós continuará a ser acumulada, tratada de forma integrada e utilizada para todos os outros possíveis fins. A tecnologia existe já, o interesse é enorme e os escrúpulos são cada vez menos.

Por: António Ferreira

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