Desde que um génio de nome Jerry Seinfeld decidiu fazer uma série televisiva sobre o nada, e fez disso bandeira, com os resultados que todos sabemos, jamais a cultura americana (e talvez mesmo mundial) se voltou a recompor. Afinal os nossos dias, aparentemente aborrecidos, monótonos e sem interesse eram iguais aos de todo o mundo. Foi esta pelo menos a descoberta de todos aqueles que se deixaram viciar na mais fantástica obra criada por um homem em muitos, muitos anos. Mas, mais importante ainda, através de «Seinfeld», essas mesmas pessoas descobriram ainda que talvez os seus dias não fossem tão desinteressantes assim, e que bastaria, por vezes, estar atento aos pormenores, para que alguma cor saísse do cinzento constante dos dias.
E o nada, ou banalidade dos dias, é o que mais se encontra em «American Splendor», a nova coqueluche de um certo cinema independente americano. Onde o independente, aqui, no entanto, é mais uma máscara que uma face. Com um marketing por trás de si fortíssimo, ao nível do que as grandes indústrias nos habituaram desde sempre, «American Splendor» conseguiu ser capa de tudo o que é revista nos últimos tempos, atingindo tempos de antena por vezes maiores que filmes colocados bem ao centro do mainstream. Mas, politiquices à parte, vamos lá ao que interessa. Todo o hype à sua volta tem razão de ser? Sim… e não.
Se o objectivo era, por parte de um grupo de jovens académicos suburbanos, apaixonados por cinema e banda-desenhada, proporcionar uma reforma mais pacífica a um dos seus heróis, no caso em questão Harvey Pekar (numa interpretação magistral de Paul Giamitti), então, perante a atenção recebida por «American Splendor», o objectivo foi cumprido.
Tal como em «Seinfeld», também aqui nada acontece. Espécie de documentário – e nunca como este ano os documentários estiveram tão na moda nas salas de cinema em Portugal – ligeiramente mascarado de ficção (ou será o contrário?), em «American Splendor» nada mais há para além do vazio e banalidade da vida de um americano que em determinado momento da sua vida decide transformar a sua monotonia de vida em quadradinhos de banda-desenhada. O facto de não ter jeito nenhum para pintar ou ilustrar as histórias que lhe iam passando à frente, e que Pekar considerava dignas de ficarem para a posteridade e serem partilhadas por todos, pouco lhe importou. E o filme podia seguir este já habitual caminho no cinema americano, em que um zé-ninguém vence na vida seguindo os seus sonhos. Mas isto só ao de leve se consegue ver no filme. Não que não esteja lá. Até está. Basta querer ver. Mas no meio de tanto nada, de tanta coisa que não chega a ser ou a acontecer, tudo o que pelo meio acontece realmente mais não parece que uma sombra ou reflexo diáfano de algo que na verdade deve estar a acontecer longe dali.
Em vez de apenas duas horas, este filme deveria ter mais tempo. Seria mais indicado, sei lá, ter umas oito, nove, dez horas. Ou mesmo mais. Que fosse um filme onde entrássemos, saíssemos e regressássemos várias vezes ao longo do seu decurso. Onde pudéssemos ir fazendo pausas. Para dormir, comer, conversar, ou outra coisa qualquer. Sempre na esperança que, no nosso regresso, algo se tivesse passado. Dito assim, e relendo o que acabei de deixar para trás, o filme parece do mais desinteressante que se pode imaginar. Mas, de alguma forma surpreendentemente, nem o é. Talvez todo o furor que trouxe colado a si tenha sido prejudicial na avaliação que dele fazemos no imediato, mas aos poucos, simpaticamente, é daqueles filmes a que não conseguimos resistir e que vamos deixando ficar guardado num pequeno canto da memória. Para mais tarde lá voltar.
Por: Hugo Sousa
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