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O contra-senso

Bilhete Postal

O vilipêndio constrói-se de uma persistência e de uma democratização consentidas por muitos. Reunidos todos, divertem-se na fratura dos outros, na gadanha da língua sobre as virtudes. Surge o elogio jocoso, a virtude alfinetada, a semente da ferrugem na estrutura de ferro. Vão-se desfazendo os amigos e corroendo os inimigos. A tenaz da perfídia abate-se incessante. Vem a gula e o excesso do álcool e ambos incrementam a violência das palavras, a formosura das graçolas. Não se sobrevive a uma mesa assim. Os homens desfazem com palavras a honorabilidade uns dos outros. Há pessoas infinitamente más? Há pessoas muito más, tenho-o por certo, mas há mesura em todos nós. Também estou seguro que todos somos maus se a circunstância nos empurra. Não creio num mundo só de bons e maus, de puros e impuros e acredito que os pecados são sempre interessantes nos bons e as virtudes grandiosas nos maus. Se a freira se descompõe diverte-se, se o monge perfilha engrandece, se o ladrão se entrega atenua-se. Somos assim todos: se o desejo acontece o sofrimento pode envolver, quando a insanidade dói, a violência acalma. Se não tenho que dar é raro alguém pedir. Se não mando é raro levar companhia. Percebo como são leves estas formas ásperas de esculpir personalidades, de talhar os inimigos. Parece difícil o elogio de quem nos quer mal, mas esse engrandece mais que toda a crueldade.

Por: Diogo Cabrita

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