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Intimidade extrema

Bilhete Postal

Minha querida, espero que não te tenhas ofendido com o facto de eu preferir diferente. A solução não deve ser outra que a conversa entre nós porque o teu silêncio é um pé de barro para mim. Trabalhar juntos é ter dificuldade e crescer acompanhado. Mas isto não é trabalho, é in timidade. Posso concluir a partir dos silêncios que de algum modo terás ficado melindrada com a minha negativa, mas dizer-te que não é um direito meu, é uma opção de todas as relações. Devíamos treinar no primeiro olhar, no primeiro aperto de mão, três não e dois acenos de cabeça. Eu sei negar a um amigo, sei contrariar um filho, sei decidir contra o meu desejo e sei que todo o sofrimento vem do desejo mal-educado. Assim, se me tens sentimentos querida, deixa que eu não sofra porque neguei. Eu não quero. Eu não quero mais. Eu não te desejo aqui. Eu não sou teu e tu não és minha e não te quero no meu espaço continuamente. Eu quero dormir só, acordar com os meus sons íntimos, ressonar a noite toda, desabridamente ser eu só nas intimidades que nem sempre partilho. Os meus cheiros íntimos, as eructações e os flatos, o som da urina na retrete. Nada disto é inatural ou envergonha, nada disto é feio, mas é só meu. Perdoa querida, mas não és essa mulher que comigo tudo partilha. Há alguém que divide o banho comigo, que se ducha enquanto eu me alivio, mas não há tanta gente assim. Desculpa, mas não quero que me vejas a roupa suja, não quero que me laves as meias, não quero que me eduques a familiaridade. Se calha é nesta proximidade que distinguimos a família, de todos os outros. Eu não te quis assim.

Por: Diogo Cabrita

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