Os portugueses, mergulhados literalmente numa profunda crise, foram confrontados com mais uma relvinice do Governo. Eis que Miguel Relvas lançou António Borges para anunciar aos portugueses que a RTP será, não privatizada, mas sim concessionada a um grupo privado.
Qual é a diferença? É que a privatização implica a transferência da propriedade da RTP para o privado; enquanto que a concessão implica a manutenção da RTP na esfera da administração pública central, mas permitindo a um grupo privado a exploração da licença de televisão. Ou seja, o privado que obtenha a concessão do serviço público de televisão irá receber as verbas que os portugueses irão pagar nas suas contas de eletricidade referentes à taxa do audiovisual, mais os milhões que advirão das receitas de publicidade (aliás, note-se, que neste ponto da publicidade, Miguel Relvas já disse tudo e o seu contrário – vai uma aposta que acabará por permitir os 12 minutos de publicidade ao novo canal?). Ora, se for este o modelo escolhido, será um erro político tremendo. Vejamos porquê.
Em primeiro lugar, porque se trata de um influxo político-ideológico do governo. Este governo recuou em toda a linha na matéria da RTP, pois Passos Coelho, desde os tempos em que era um candidato marginal na corrida à liderança do PSD, manifestou aos portugueses a sua intenção de privatizar. Era até uma medida emblemática da sua cartilha liberal. Afinal, o liberalismo de Passos é um liberalismo da tanga: é liberal para facilitar os despedimentos, reduzindo as indemnizações devidas aos trabalhadores; é liberal para congelar salários e asfixiar a autonomia universitária e local; mas já não é liberal quando se trata de fazer frente a interesses em empresárias. Há que dizê-lo: Há aqui interesses por ora escondidos que fizeram o Governo alterar a sua posição. É que as concessões são um instrumento jurídico muito querido do partido socialista. Isto porque permitiu aos socialistas dizer que mantinham a propriedade pública- apenas permitiam que os privados desenvolvessem a atividade económica com mais eficiência e ganhos de interesse público. Ora, é curioso constatar que a solução do PSD é a velha solução do PS.
E hoje o resultado está à vista de todos: as parcerias público-privadas, as concessões a privados feitas para beneficiar alguns amigos, levaram ao estado de desastre financeiro em que Portugal se encontra.
Em segundo lugar, há uma contradição no discurso e na ação do Governo: enquanto que , por um lado, Passos Coelho se esforça (pelo menos ao nível retórico) para reduzir as rendas das concessões e das parcerias público-privadas, no caso da RTP, o chico-esperto Miguel Relvas, com a ajuda de António Borges, decidiu concessionar o serviço público. Isto é, por uma banda, apontam-se os malefícios e os prejuízos para os cofres públicos gerados pelas parcerias público-privadas e pelas concessões; por outra banda, escolhe-se a concessão como modelo ideal para a RTP. Nada disto bate certo…
Em terceiro lugar, saliente-se a forma como os governantes portugueses desconsideram os cidadãos. De facto, no caso da RTP, há um conjunto de modelos de participação dos privados na gestão da empresa. Qual foi o modelo de privatização escolhido pelo Governo? Precisamente aquele que mais onera os cidadãos que, pese embora a RTP passe para a gestão de privados, continuarão a pagar a taxa do audiovisual na conta da eletricidade. Os privados recolhem o lucro – o povo português paga as dívidas – e sempre a mesma história.
Por: João Lemes Esteves