Uma grave tragédia humanitária está a ocorrer no Corno de África, em especial na Somália, país que enfrenta a pior seca dos últimos 60 anos, colocando mais de metade da sua população em risco. Mas como se explica que um país como a Somália, que foi auto-suficiente na produção de alimentos até ao final dos anos 70, tenha perdido a soberania alimentar? Porque é que num planeta com uma população de cerca de 7 biliões de pessoas, onde se produzem alimentos para 12 biliões, uma em cada sete pessoas no mundo passa fome? Como se explica este paradoxo? A verdade é que vivemos num mundo em abundância de alimentos ao contrário do que se pensa, cerca de um terço dos alimentos produzidos vão para ao lixo, como é possível deixar que isto ocorra e depois se venha dizer que é preciso produzir mais alimentos para combater a fome!
A fome existe não por causa de um problema de produção de alimentos, mas sim de distribuição. Existem várias causas para a fome, mas há duas principais. A primeira foi o facto dos carros e as pessoas terem começado a competir pelos grãos de cereais, a base da alimentação da humanidade, a partir do momento em que se começou a usar os grãos de cereais também para produzir biocombustíveis, uma parte dos cereais produzidos para alimentação passou a ser desviada para combustível, tal levou a aumentos acentuados nos preços dos alimentos, tendo atirado grande parte da população dos países mais pobres para a fome. Estima-se que as colheitas de grãos para biocombustíveis num ano seriam suficientes para alimentar 340 milhões de pessoas num ano. Assim sobre esta causa coloca-se uma questão essencial, alimentar as pessoas ou “alimentar” os carros?
A segunda grande causa responsável pela fome são os mercados e a especulação associada para que os bancos, fundos de alto risco, companhias de seguros possam fazer negócio e ganhar dinheiro, aproveitando-se dos mercados globais profundamente desregularizados e altamente rentáveis. No que respeita à Somália, nos anos 80 para que o país pagasse a sua dívida foram-lhe impostas políticas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. O resultado dessas políticas referentes à agricultura foram a liberalização comercial e abertura dos seus mercados, permitindo a entrada massiva de produtos de multinacionais norte-americanas e europeias a preços abaixo do seu preço de custo, fazendo uma competição desleal com os agricultores locais, que resultou no abandono destes da atividade agrícola.
Fernando Felizes, carta recebida por email