«Primeiro estranha-se, depois entranha-se»! O famoso slogan que Fernando Pessoa criou para a Coca-Cola em 1927 não tem nada a ver com política, e muito menos com o momento histórico em que vivemos, mas é o sentimento que me ocorre ao refletir sobre a forma como o Governo nos “vende” a ideia de que o «acordo» com a Troika é um «bom acordo para Portugal». O país está à beira da bancarrota e o resgate financeiro que nos é concedido implica grandes mudanças e enormes sacrifícios aos portugueses. Passado o eloquente e persuasivo momento que o grande comunicador e propagandista Sócrates inventou para o intervalo entre o Real Madrid e o Barcelona pensei que a realidade viesse ao de cima, mas não, a extraordinária máquina de marketing e propaganda que o PS utiliza e o Estado paga, passadas duas semanas, consegue que a mensagem se entranhe e todos fiquemos cabisbaixos, deprimidos e humilhados, mas tranquilos porque… o grande Sócrates conseguiu «um bom acordo» com o FMI, o BCE e a Comissão. José Sócrates foi um verdadeiro ilusionista no exercício de apresentação do acordo com a Troika, baralhou os dados e, qual alquimista, apresentou o mais humilhante contrato que Portugal assumiu nos últimos 37 anos (pelo menos), por obra e graça do Governo, como uma simples Aspirina que vamos ter de tomar, durante uns anos, mas sem grande sofrimento. Fizemos um mau acordo, sem alternativa, pois Portugal estava no limite da sua resistência e por isso não se entende por que motivo não pedimos ajuda internacional há mais tempo – teríamos poupado milhões e talvez não fosse necessário adoptar medidas tão drásticas, predadoras e recessivas.
Voltando a Pessoa, Bernardo Soares facilmente explicaria que «o poeta é um fingidor/Mente tão completamente/Que chega a fingir que é dor». É fácil identificar aqui o comunicador Sócrates, na forma e no estilo, o fingidor, que sofre enquanto transmite a mensagem… que grande momento. Que dilacerante cena. O “grande líder” (até porque os outros estão, naturalmente, «impreparados») conseguiu, com dor e orgulho, assegurar que os portugueses vão pagar mais impostos, que os desempregados irão receber menos, que as pensões serão congeladas (as mais baixas e diminuídas as mais altas), que não se vai criar trabalho (e por isso vai haver mais desemprego), que os serviços e bens vão ser mais caros, que durante os próximos anos vamos ganhar menos, que não vamos poder trocar de carro de quatro em quatro anos, nem viajar pelo mundo ou poder sequer comprar casa…
Por tudo isso, mesmo sem sabermos para onde nos virar e quem nos pode salvar, é bom recordar as palavras de Pablo Neruda: «Morre lentamente quem não troca o certo pelo incerto em busca de um sonho».
PS: Era expectável. O debate entre Paulo Portas e José Sócrates ficou muito acima do que estamos habituados. Dois mestres do debate, do ataque, do golpe, do truque, do momento… e em que Portas foi incisivo e determinado, tanto que conseguiu encostar Sócrates “às cordas” (coisa rara). Poucos foram os momentos em que o secretário-geral do PS teve superioridade discursiva, dialética ou argumentativa, mas conseguiu o momento da noite, quando apresentou o programa de Governo do CDS/PP: uma pasta vazia… porque ainda não há programa. Fica mal a Portas andar a debater um projeto que ainda não existe ou não foi apresentado. Mas o grande derrotado acabou por ser Sócrates quando insistiu em saber se Portas estaria disponível para governar com o PS e o líder do CDS deixou claro que «não», não com o atual secretário-geral do PS. Ficou traçado o futuro de José Sócrates: Não tem com quem formar Governo – o PSD não aceita governar com o PS e o PP não aceita governar com Sócrates. Ou ganha o PSD e governará com o PP ou se ganhar o PS Portugal continuará sem Governo a 5 de Outubro, pois ninguém quer governar com este secretário-geral – (restará ao PS substituir Sócrates…).