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«Os hábitos culturais têm vindo a desenraizar-se»

Cara a Cara – Entrevista: Rui Pires

P – Que balanço faz do 15º Ciclo de Teatro Universitário da Beira Interior?

R – Só o fato de continuar a realizar o festival já é positivo. Tendo em conta todas as dificuldades que estamos a passar, foi muito bom organizá-lo, trazer várias companhias de teatro nacionais e internacionais e tivemos cerca de 900 pessoas a assistir. Claro que gostava de ter mais, mas os hábitos culturais têm vindo a desenraizar-se. Ainda assim, só podemos fazer um balanço positivo.

P – Quais foram as principais dificuldades para realizar o evento?

R – Prendem-se sempre com o nível de investimento disponível para fazer o festival. Começamos a prepará-lo por volta de Outubro e tentamos recolher o maior número de apoios possível. Se não existirem temos que reduzir o número de grupos participantes e redefinir o número de atores intervenientes, porque tudo isso encarece o evento. Apesar deste ano termos reunido alguns apoios, eles não serão significativos em termos do montante global. Nesse sentido, reduzimos o número de dias do festival de 15 para 11, sem cortarmos na qualidade.

P – Já referiu que há uma certa falta de sensibilidade cultural das pessoas. Como é que essa situação se poderá inverter?

R – O grupo de teatro da universidade existe há 22 anos, faz o festival há 15, existem também outros agentes culturais, nomeadamente a ASTA, que organiza o festival em parceria com o Teatr’UBI. Por exemplo, a ASTA tem, desde sempre, formação para crianças, jovens e adultos na área do teatro e das artes. E isso não compete só às companhias, que a vão fazendo, a educação também deveria ter uma ligação mais profícua com a cultura, principalmente as escolas do primeiro ciclo, que estão dependentes dos municípios. Deveria haver uma aposta no teatro, como noutras áreas culturais, porque todas as manifestações artísticas são importantes. Se uma criança faz todo o seu percurso educativo sem nunca ter ido ao teatro, claro que não ganha gosto pelo teatro nem vontade de experimentar. Nestas idades o teatro pode ajudar as crianças a expressarem-se e é importante até como meio de sociabilização, não serve só para formar atores. Deveria haver essa aposta. Acho, por exemplo, inconcebível que haja pessoas que terminam um curso superior sem terem ido uma única vez ao teatro, e isso acontece.

P – Há condições para se manter este ciclo de teatro no futuro?

R – Isso depende muito da universidade. Um dos propósitos da criação da universidade também foi proporcionar aos alunos e à população em geral o acesso a atividades culturais, mas a instituição tem descurado um pouco esse aspeto. Quem proporciona atividades culturais são os núcleos e a própria associação académica, a universidade não produz eventos culturais. As universidades portuguesas deveriam adotar o modelo espanhol, em que os alunos são avaliados se fizerem teatro, se fizerem parte de uma tuna ou de um grupo de dança. Em Espanha, o estudante pode optar por disciplinas de teor cultural, é avaliado, isso consta no currículo e é bastante enriquecedor. Por outro lado, tem que haver um maior envolvimento dos estudantes, que têm a tendência de trabalhar só para a média e demonstram pouco interesse por estas áreas. No entanto, esta nova equipa reitoral olhou para o teatro de outra forma e as coisas foram mais fáceis de resolver do que noutros anos. Mas a continuidade do festival dependerá muito da instituição. Não nos podemos esquecer que se trata do festival de teatro mais antigo do país, já por aqui passaram todos os grupos portugueses e muitos estrangeiros, nós também já fomos a muitos locais lá fora, e isso também projeta o nome do país, da cidade e da própria universidade.

P – Que projetos estão previstos para o Teatr’UBI a curto/médio prazo?

R – Vamos sair no próximo fim-de-semana para digressão e vamos apresentar quatro espetáculos na Galiza. Temos vários outros convites para participarmos noutros festivais em França, Marrocos e América Latina, isto tudo até final deste ano letivo. Se correr tudo bem, em Outubro vai iniciar-se o processo de integração dos novos elementos que chegam à universidade e ao nosso grupo, preparando também uma peça nova.

Rui Pires

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