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Ventoso

1. Recentemente, na SIC R, numa emissão do conhecido Jay Leno show, a convidada principal foi Cameron Diaz. Nem de propósito, pois tinha acabado de ver o “seu” penúltimo filme, “Dia e Noite” (“Knight and Day”), onde contracena com Tom Cruise. A entrevista propriamente dita foi algo desinteressante, por muito que o apresentador tentasse “animar” a plateia. A páginas tantas, depois de umas remexidelas langorosas na cadeira, a actriz revelou a sua faceta desportiva, no segmento radical. Nem mais. A voz emprestada da Princesa Fiona no “Shrek para Sempre” deu então um arzinho da sua graça. Ao confessar a sua predilecção por desportos náuticos. De preferência longe da costa, mas com ela à vista, não vá o diabo tecê-las. Altura para o escriba aqui fazer um trocadilho engraçadote e bem apropriado entre cabotagem e cabotinismo, o que dá algo parecido com “cabotinagem”… Mas adiante. Ao longo dessa parte da conversa, proezas marítimas à parte, a actriz lá ia fazendo umas insinuações sobre fotografias suas em bikini. Sendo que não permitiu que Leno mostrasse uma delas no programa, facto que não deixou de sublinhar. Oportunidade para referir outras fotografias, very special, onde aparecia em trajes menoríssimos e que tinham grande procura junto do público, segundo a própria. Isto enquanto se meneava com ar deliciado, de uma sonsice católica, à mistura com uns trejeitos impostos pelo star system, mas notoriamente pouco credíveis. Do tipo: “queriam ver mamocas e o meu rabiosque, queriam?” “Isso é que era!” “Tendes muito que pedalar!” “Olhem que eu sou virtuosa nos dias ímpares, vale?” “Nos outros logo se vê…” Percebi nesse momento a razão de ser do “diaz” no seu nome, sabendo-se que o pai da actriz é cubano. Mas nada de confusões. Pruridos étnicos estão de fora nesta redacção. O que me traz aqui é a evidência de uma herança cultural ibérica, visível, ainda que de forma extremamente subtil, na linguagem (em sentido amplo) da actriz. Ou seja, a marca de um pudor não assumido completamente, de um jogo de sombras ambíguo, cujo poderoso erotismo, em vez de impregnar os sentidos, é destruído, em última instância, pela competência atlética exibida por quem dele deveria ser o centro.

2. No seu icónico programa “Ponto Contraponto” (SIC N), Pacheco Pereira apresentou uma insólita estatística sobre as redes sociais, pretendendo com isso vislumbrar uma “Luta de Classes” nesse universo. A ideia consistiu em que o Facebook é território dos mais jovens e desqualificados. Sendo o Twitter uma coutada dos mais velhos e que dele fazem uma utilização mais profissional. Palavra que não sei onde JPP foi buscar conclusão tão disparatada. É verdade que o Twitter, após o pico de popularidade em 2008 e 2009, já passou de moda. Hoje praticamente só é utilizado em circuitos jornalísticos e académicos. Funcionando essencialmente como um alimentador de feeds, em ambientes muito específicos. Em rigor, nem sequer deveria ser chamado de rede social. Este espaço está hoje, em grande medida, ocupado pelo Facebook, o verdadeiro blockbuster das social network. Se esta rede fosse um país, os seus cerca de 600 milhões de “habitantes” fariam dele um dos países mais povoados do mundo! No entanto, continua em aberto saber até que ponto esta desenfreada adesão às Redes Sociais não sofrerá do Síndrome da Bolha, que afectou muitas startups tecnológicas em finais da década de 90. Talvez esta questão fosse mais interessante de tratar do que estatísticas obsoletas.

3. No passado dia 7, esteve na Guarda a Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas. Ocasião em que visitou os principais equipamentos culturais da cidade e a Sé, esse grande “equipamento” patrimonial. Mas foi no TMG e a propósito do TMG que a deslocação alcançou a sua dimensão prática. Pois foi aí que anunciou ao país a criação, a partir de Maio, de um novo programa de financiamento destinado a estruturas teatrais, mediante comparticipações pontuais e celebrações de contratos-programa. Pretende-se assim corrigir e ampliar o programa actual. Onde, como exemplo, por lapso do legislador, não é possível o MC apoiar Teatros geridos por empresas municipais. Estabelece-se igualmente um conjunto de pressupostos sem os quais as candidaturas serão rejeitadas, nomeadamente a existência de uma programação de serviço público. Foi obra do acaso a escolha do TMG para anúncio desta medida, que tanto impacto irá ter na actividade cultural no país? Obviamente que não. Foi certamente o reconhecimento do carácter exemplar do trabalho desenvolvido na instituição, dentro e fora dela, que terá pesado na sua escolha. Eis um forte motivo de alento para a cidade, quase que em contra-ciclo.

O autor escreve usando a antiga ortografia

Por: António Godinho Gil

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