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O Caos dos Cacos

Entrementes

«A avalancha de infinitos requisitos burocráticos a cumprir pelos avaliados, o medo das instituições e das pessoas de obterem maus resultados fazem com que se fixe um nível muito baixo para a qualificação exigida»

José Gil, in Visão, 27 de Janeiro de 2011

Fora este um artigo sobre a realidade policial e intitular-se-ia: O Caso dos Cacos. Fora ele um desabafo dos sentidos e então receberia de batismo: O Asco aos Cacos. Mas não, a coisa passa por bem mais séria e trata de um País, do nosso País, daquele em que vivemos e que enfrentamos no quotidiano. Como acima se vê a simples troca de letras, afinal, pode fazer todo o sentido ou sentido nenhum…

José Gil é um dos pensadores portugueses do século XX com maior projeção, quer a nível nacional, quer mesmo internacionalmente. Aqui há uns tempos o jornal francês Le Nouvel Observateur considerou-o um dos vinte e cinco nomes incontornáveis do pensamento filosófico europeu do século passado. Não me parece, pois, descabido considerar a opinião de um homem habituado a escalpelizar os mais ínfimos pormenores da sociedade, a ser crítico atento do seu, e do nosso, tempo. Uma opinião abalizada que, de há longos anos, vem insistindo, teimosamente, no estudo para compreender quem somos e, sobretudo, para tentar perceber para onde vamos e por que caminhos.

Já em Maio de 2009, a propósito do seu último livro, este filósofo defendia, em entrevista ao jornal Público, que o século XXI haveria de ser forçosamente o século do “homem avaliado”. Estava certo José Gil…

Olhe-se para as escolas. Veja-se o pandemónio em que volteiam os professores. Registe-se em agenda a miríade de papéis e papelinhos em que navegam (e tantas, tantas vezes, naufragam…). Anotem-se bem os objetivos a cumprir, e as dimensões, e as metas, e os domínios, e as evidências, e os descritores, e as tarefas burocráticas de registar faltas, e o atendimento aos encarregados de educação, e o ser a família do aluno na escola, e o ser psicólogo e assistente social, e…

Ah, e no final não esquecer ainda de verificar os sumários para confirmar se, no meio de tamanha parafernália de tarefas, houve tempo para que o docente exercesse a profissão que escolheu: Ensinar. Mas assim mesmo, com E maiúsculo.

Para além disso, entre-se numa sala de professores e observe-se se por acaso não há colegas a olhar outros por cima do ombro, se não há grupos e grupinhos, se não há vozes a bichanar em surdina. Sim, que isto de avaliar outros tem que se lhe diga. Para os avaliados mas também para os avaliadores que não estão em melhor posição. Mas, também a quem diabo haveria de lembrar atribuir o papel de avaliadores a colegas do mesmo espaço físico sendo, ou podendo ser, juiz em causa própria?…

Esmiúce-se (ah, saudosos Gatos!…) a Lei de Bases do Sistema Educativo e tente-se integrar no seu âmbito o novo desenho curricular que vem já aí. Será possível?…

E que será feito dos milhares de docentes que, a coberto desse novo desenho curricular, ficarão sem alunos (o mesmo é dizer sem emprego)?…

E, perante tudo isto, surgem, inexoráveis, as perguntas sobre as razões de tantas e tão alterosas mudanças. Muitas perguntas. Será Bruxelas a mandar? Serão novas correntes pedagógicas a fazer valer os seus ditames na procura de um tempo novo? Será apenas o vil metal a fazer das suas e a meter a foice cerceadora na Educação?

E, vistas e revistas a atitude reformista e a ânsia avaliadora dos responsáveis pela Educação em Portugal, os docentes bem podem estar preocupados porque, se é verdade que, voltando a José Gil, o século XXI será o do “homem avaliado”, será também o tempo em que, no dizer do mesmo pensador, “ Os que querem trabalhar não têm tempo para preencher as inúmeras fichas, os que se ‘baldam’ fazem-no e obtêm as classificações mais altas. Serão eles os seleccionados…”.

Entretanto a Educação e o País continuam espartilhados, em cacos…

Por: Norberto Gonçalves

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