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Rainhas

Vidas

Falávamos sobre rainhas. Por causa de um maravilhoso livro que li recentemente “Catarina de Bragança – A coragem de uma infanta portuguesa que se tornou rainha de Portugal”, de Isabel Stilwell. Um livro fantástico, que recomendo vivamente. Catarina de Bragança não pôde ter filhos. Tinha o ventre seco disse alguém. E pronto, foi o mote para a nossa conversa. Ventres lisos e secos. Das Mulheres que não podem às que não querem ter filhos foi o tempo de um café.

Não posso dizer que o assunto me incomoda, nem que sou contra. Na realidade não tenho nada a ver com isso. Mas posso opinar.

Vivo bem perto de várias mulheres que não querem ter filhos. Conheço uma maravilhosa, que daria uma mãe fantástica, disso tenho a certeza – mais certeza do que ela própria – mas que tem um conflito interior que me custa compreender. Essa coisa do “não sei se sou capaz”, “faz-me impressão essa ligação eterna”, ”essa dependência”, “não sei se estou preparada.” Pois. Com esta amiga já gastei todo o meu latim. Até lhe ofereci a caminha de bebé das minhas filhas (que foi uma grande prova do amor que sinto por ela) para ver se se animava. Ainda nada. Mas também AINDA não perdi a esperança.

Depois conheço outras que não querem ter filhos porque querem manter o ventre literalmente liso. E porque querem viajar. E dizem que querem fazer o mestrado (mas não passa de uma ideia). E ter sempre a casa arrumada. E ter um homem com a atenção virada exclusivamente para si, que homens já há poucos e não vá o diabo tecê-las. E fazer massagens e ir três vezes ao cabeleireiro por semana. E uma criança dá uma despesa enorme. Eles são fraldas, biberões, roupinha a toda a hora, que mal nos descuidamos já cresceram cinco centímetros. E depois a trabalheira toda que isso dá. Noites mal dormidas, choros indecifráveis. “Na, não estou para isso” – dizem.

Bem, aqui é que começa a minha pele de galinha. Começo a suar das mãos e a fazer a minha cara nº 33. E depois, claro está, incorporo um espírito do mal.

Eu sei que têm todo o direito de assim pensarem, que eu não tenho, mais uma vez, nada a ver com isso, que a vida é de cada um e blábláblá, blábláblá…. mas como mãe custa-me compreender como certas pessoas definem as suas prioridades, que imagem têm da vida e o desapego aos afectos. Como é possível colocar nos pratos da balança: Ora bem, ou um filho, ou uma viagem às Maldivas. Ou 55Kilos, vestir uma minissaia e ter o tempo todo só para mim, ou 70Kilos um filho e não conseguir ir à depilação dois meses seguidos porque entretanto a criança vai adoecer e depois também o pai da criança e eu própria e é o drama a tragédia e o horror porque já não vou, nunca mais, caber nas minhas calças Moschino nº36, que ainda por cima me custaram os olhos da cara.

Nem sequer vou falar das maravilhas da maternidade, não vá com isso influenciar essas mentes frágeis, apenas dizer que não há outra forma de se sentir tão RAINHA, quando um ser minúsculo que saiu de dentro de nós, nos diz: “ Adoro-te mamã”. “Gosto de ti até……… ao arco – íris”. “És o meu amor”. “Vou comer muitas cenouras para ter os olhos como os teus”. “Vou rezar ao meu anjo da guarda para tu emagreceres”.

Tudo isto apaga os dias maus e os kilos a mais.

E dá-me a certeza, todos os dias (mesmo os das birras, das noites mal dormidas, dos desenhos na parede da sala, no xixi na cama, dos grãos de arroz espalhados pelo chão da cozinha e do “Oh mãe quero água”, quando acabámos mesmo agora de nos deitar) que não partirei desta vida com uma mão cheia de nada.

Por: Carla Freire

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