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Tortura

Barack Obama anuncia que a América não é um país onde se torture. As técnicas de interrogatório “avançadas”, comuns na administração Bush, acabaram. Há duas principais razões para esta decisão: por um lado, é eticamente errado torturar alguém; por outro, nada demonstra que a tortura seja eficaz como método de interrogatório, porque, na iminência do sofrimento extremo qualquer confessará, para se salvar, o que for preciso – seja verdadeiro ou seja falso.

É claro que estas questões apenas se colocam nas chamadas democracias ocidentais, já que ninguém parece preocupar-se muito com a tortura no Irão, na Coreia do Norte ou, melhor ainda, na maioria dos países do Mundo que consideramos, em termos aliás geograficamente incorrectos, como “não ocidentais”. É evidente, também, que boa parte do nosso repúdio pela tortura tem a ver com a nossa própria experiência e com o nosso próprio passado. Durante a Inquisição, a confissão era considerada a “rainha das provas”, dispensando, pela admissão do próprio acusado, qualquer outra demonstração de culpa. Depois de recebida a denúncia, muitas vezes anónima e muitas vezes falsa, o Santo Ofício, em lugar de investigar, submetia o suspeito a “tormentos” com o fim de o levar a confessar. E muitos confessavam, tantas vezes à vista do ferro em brasa ou dos medonhos instrumentos que iriam enfrentar nas próximas e longuíssimas horas. O problema é que a confissão do crime acarretava a pena de morte e nada mais restava, para salvar a vida, senão negar até ao fim, até à mutilação, até ao extremo do maior sofrimento imaginável.

Penso às vezes no que faria se fosse torturado e estivesse inocente, ou nada soubesse do que me fosse perguntado. Imagino o pânico. a tentativa desesperada de encontrar a resposta correcta, a que evitasse mais um golpe, mais sofrimento. A verdade aí seria um ideal distante, seria uma entidade muito mais abstracta do que a dor. É por sabermos todos isto que instintivamente rejeitamos a tortura enquanto método. E é também porque, ainda instintivamente, nos imaginamos no lugar daquele que é torturado. O problema é que, vista a

“The Spectator” está a conduzir um interessante debate sobre o tema. Todos são contra a tortura e ninguém sabe muito vem como responder à situação limite: um terrorista assumido é capturado; sabe-se que o grupo dele vai fazer explodir uma bomba e que muitos inocentes irão morrer; ele sabe onde vai explodir a bomba mas não quer revelar o local. É legítimo torturá-lo para obter a informação? E se estivesse um filho nosso em causa, se a bomba fosse explodir nas redondezas da sua escola? Mantém-se aqui o imperativo categórico, ou encontrámos uma excepção? De repente, perguntamo-nos: porquê eticamente errado? Não é eticamente muito mais errado colocar uma bomba destinada a matar inocentes?

A resposta tem sido sempre a mesma, e terá que ser mantida, mesmo à custa da morte de ainda mais inocentes: há métodos que nos são vedados e esse é o preço, parte do preço, do grau de civilização que alcançámos. Mas expliquem lá melhor: se o terrorista assumido sabe, e assume que sabe, onde vai rebentar a bomba, o que é eticamente possível fazer para evitar o rebentamento?

Por: António Ferreira

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