O senhor leitor deste semanário queira desculpar, mas torno a falar de netos, como há tempos no artigo que dediquei ao meu amigo fraterno, Daniel Sampaio. O motivo é simples, a vida é um eterno retorno. Não um retorno de uma alma1 que vai embora e torna a aparecer noutro corpo, como acreditam muitas pessoas, especialmente os Kiriwina da Nova Guiné2. Para os que acreditam em almas, é evidente. Não tenho essa sorte, pelo que sempre os meus descendentes estão perto de nós, podendo, assim, como diz o meu sábio amigo, dedicarmos-lhes um dia, pelo menos, da semana, para sermos avós a sério. Como? Como cronista deste semanário, já o expliquei no texto de 30 de Abril. Não é o caso de Elisa, irmã de Ben, que estará connosco em breve. Por enquanto, é um projecto de bebé em formação pelo amor e paixão dos seus pais, os nossos filhos britânicos. Elisa será britânica. Mas Elisa, é, também, a melhor sonata de Ludwig van Beethoven W 0 O 59, escrita para a mulher que amava, Elisa3 ou Für Elise. Essa rapariga que já é amada, cuidada e tratada com todo o carinho pelos seus pais e avós, todos nós, antes do seu nascimento.
É dito que comemorar antes do tempo da nascença, dá azar. Será para os que têm espírito de fé, mas não para os que amamos desde o primeiro dia em que os quatro avós e um bisavô ficam a saber que ia nascer, que devia nascer, uma outra pessoa descendente que nos perpetuará. Será de olhos azuis como o seu pai. De pele branca transparente, como a sua mãe. De paciência e devoção ilimitada para os outros seres humanos, como esses quatro avós. É já uma festa. Quando temos descendentes, nós, avós, respeitamos a criança e os seus afazeres. Enquanto está no seio da mãe, simultaneamente o pai quem toma das duas (mãe e filha), com amor e dedicação. O seu título será de Baronesa, pela sua formosura e qualidade de vida, aprendida de seus pais e de outros ascendentes, quatro gerações ainda vivas e em actividade. É, deve ser, uma rapariga em lá menor. Essa nota que dá a melodia e o cuidado do som e alegria à família toda. Já está comigo Für Elise, à sua espera, enquanto, como em todos os sítios do mundo, nós os avós, respeitamos, amamos e até adoramos apenas a ideia de outro estar a chegar. Beethoven devia ressuscitar para mudar o nome da peça de bagatela, para variações e fugas dos seus amantes pais. Para Elisa é um prazer já, porque existe e é mimada.
Com amor a esses pais que vivem uma das fases mais alegre da vida, essa doce espera, como os avós que revisitei faz uma semana em Vila Ruiva, Concelho de Nelas. Elisa deve ser uma mulher do interior. Com orgulho e paixão!
ISCTE/CRIA/CEAS-21 de Maio de 2009, dia das glórias do tio tetravô da rapariga, que triunfou com honra no campo de batalha, Ignacio Serrano Pinto, em 1879. Elisa, a tetraneta de um herói, heroína também!
1 Alma é um termo que deriva do latim aníma; princípio que dá movimento ao que é vivo, o que é animado ou o que faz mover. De aníma, derivam diversas palavras tais como: animal (em latim, animalia), animador,…
Filosófica e religiosamente definida como um ser independente da matéria e que sobrevive à morte do corpo, podendo o seu destino ser a beatitude celestial ou o tormento eterno.
Segundo este ponto de vista, a morte é considerada como a passagem da alma para a vida eterna, no domínio espiritual.
A grande maioria das religiões, cristãs e não – cristãs, concorda em linhas gerais com esta definição. O conceito de uma alma imortal é muito antigo. De facto, as suas raízes remontam ao princípio da história humana.
2 Na vida tribal dos Kiriwinianos a magia possui uma função primordial, pois as actividades económicas, a horticultura, a pequena caça, a pesca, a construção de canoas e as condições atmosféricas estão envoltas em magia.
A magia encontra-se muito difundida entre os nativos e um exemplo dessa “natureza geral” está na magia da horta que é realizada pelo towosi (mago da horta) e consiste numa série de ritos complexos e elaborados cada qual acompanhado de uma fórmula. Todos os ritos constituem uma estrutura onde se insere o trabalho hortícola., como diz Malinowski no seu texto de 1911: Baloma ou o espírito nas Ilhas Trobriad de Noca Guiné. Texto em: http://carinafagiani.blogspot.com/2008/04/malinowski-baloma-os-espritos-dos.html.
3 A partitura original ou autografa desta bagatela para piano foi presenteada, pelo compositor, a Therese em 24 de Abril de 1810 e esteve durante algum tempo em seu poder. A data está na partitura autografa, mas ao certo não se sabe se teria sido Beethoven quem a colocou lá ou se teriam sido outras pessoas. Portanto, é um dado discutível. Therese, por pensar que Beethoven não seria o seu melhor marido (pois Beethoven era muito autoritário e desorganizado), casou, mais tarde, em 1816, com o barão von Drosdick. Com o tempo, a partitura original extraviou-se. Por outro lado, também se sabe que, em 1822, Beethoven emendou o seu rascunho preliminar, guardado nos seus arquivos, para uma possível publicação e que, devido ao seu falecimento, não chegou a realizar. Ou por erro do editor (de facto, a caligrafia caótica de Beethoven foi a causa principal de muitos erros nas primeiras edições das suas obras) ou para não se saber a quem esta peça foi dirigida e oferecida, isto é, para não se dar quaisquer pistas acerca do verdadeiro nome da senhora, ou seja, de Therese Malfatti, o certo é que a cópia da partitura autografa ou, se quisermos, a sua publicação póstuma (realizada pela primeira vez em 1867) tinha o nome pseudónimo alemão de «Für Elise» que, em português, é «Para Elisa». É evidente que não se trata de Elisa alguma, mas, sim, de Therese. Tudo indica que fosse um erro do editor.
Por outro lado, também sabemos que Maria Therese Brunsvik (1775-1861), aristocrata de origem húngara, como Elisa será na Grã – bretanha!
Por: Raúl Iturra