Excepto no suplemento satírico, as repetidas notícias na imprensa diária não deixam de ser tétricas – e mesmo naquele, e mesmo naquele… Melhor: naquele desvia-se o registo.
Ninguém pode andar alegre se não souber quem é; e o mal-estar português não resulta do nível cultural do povo miúdo ou da sociedade em geral. Não pode ter-se como pressuposto que o povo ou sociedade em geral estejam dominados por luminosos conhecimentos ou grandiosos sentimentos. Identificam, tão longe quanto as suas qualidades humanas e/ou os seus horizontes lhes consentem, o mal. Identificam um mal difuso, impreciso, que, por isso, é ainda mais insidioso. A isto acresce que uma muito vívida memória – sempre sinónimo de densidade vital, existencial – também não é apanágio daqueles – nem pode ser. Curvo-me de respeito perante eles.
“Em política, feio, feio, é perder”, disse o que insultou um juiz e, também, “Ó Sr. Guarda desapareça”. Sim, o que impôs tanta austeridade enquanto 1º Ministro não se coibiu, como Presidente da República, de gastar avantajadíssimas quantias enquanto viajou pelo mundo com numerosas comitivas. E, após o concurso da TV que deu a Salazar o lugar de maior estadista português de todos os tempos, escreveu no El País um confrangedor artigo em que transbordava de ressentimento por, claro, não ter sido ele o primeiro.
Estou ansioso por ler 25 de Abril, a revolução da perfídia, do Gen. Silva Cardoso, editado pela Prefácio, de que já me falaram e cuja tese é esta: vencida (ou claramente a caminho de sê-lo) a guerra nas três frentes de combate em África, americanos e soviéticos, que queriam, respectivamente, petróleo e bens, de um lado, e alargar a área de influência, por outro, não conseguindo os seus objectivos além-mar derrubaram o então regime político vigente em Portugal, o marcelismo, portanto.
Nesse sublime programa de Joaquim Furtado sobre a dita guerra (RTP-1, quartas-feiras), a vitória no leste de Angola é aí reconhecida pelos próprios próceres do MPLA (edição de 29-IV-09) e, no canto inferior esquerdo do visor da televisão, durante segundos mais que suficientes, Furtado indica a obra em que se baseara: Angola – Vitória Militar no Leste, de António Pires Nunes, editada pela Prefácio. (Comprei-a quando foi publicada). Esse nome absolutamente obrigatório do jornalismo português, que é Eduardo Cintra Torres, afirmava (Público, 28-III-09) que do programa “sobressai uma tese: Portugal e África acabaram ligados pelo sangue”.
Acrescento, não apenas por ter sido oficial em campanha, mas – sobretudo –, porque, anualmente, me reúno com os que foram meus companheiros de armas, que ligados pelo sangue já portugueses e africanos estavam desde há séculos. E a acção dos portugueses em Angola foi tão grandiosa (“construímos estradas, escolas, hospitais, /monumentos, palácios, catedrais, /arranha-céus, vivendas, /gigantescas barragens, e os portos e aeroportos/ e as belas pontes, /e as enormes fazendas com mais terra que o Minho ou Trás-os-Montes, /e quase uma centena de cidades novas, que são formosas, clamorosas provas/de como se engrandece uma nação”, escreve Reis Ventura em Uma Voz na Noite), tão grandiosa, dizia, que bastaria isso para nos sentirmos como um povo de eleição.
Não somos filósofos como os alemães, artistas como os italianos, finalistas como os holandeses, ufanos como os espanhóis? Era o que faltava!! A cada um sua idiossincrasia. Nós somos grandiosos e sublimes, transbordantes de afectos, povo de emoções. Tal como disse ontem em Fátima aos meus companheiros de armas e respectivas famílias, no encontro de 2009, sinto-me absoluta e cada vez mais feliz por ser português. Porque o português é, afinal, um empreendedor universalista e grandioso; e a sublimidade do seu carácter promana de razões que ainda não domino em pleno, mas que, seguramente, emanam de espiritualidade. Também declarei ontem em Fátima que quero que o encontro de 2010 seja na Guarda e, também ontem mesmo, na nossa cidade, se reuniu a C.Caç. 95 que esteve em Angola.
A imprensa deixa muito a desejar, no tocante a uma correcta informação, e um dos aspectos letais que são fornecidos aos leitores é a ignorância, ou distância, desta essencial problemática nacional. Doutro modo: o português não pode pensar-se como alguém circunscrito a um espaço e um tempo (quaisquer que eles sejam) de um rectângulo e uns arquipélagos em pleno Atlântico.
Que o 25 de Abril tenha trazido a liberdade é algo inestimável. Mas, para além disso, é ao 25 de Abril que devem assacar-se os males que, ora, tanto afligem a Grei. O ex-PR está identificado, mas continua a “pontificar” na imprensa e TV, sem dar-se conta das suas insuperáveis limitações. Já Cunhal nunca foi mais que uma perversão religiosa exponenciada até ao limite supremo. Sinto-me profundamente em xeque por o PC ter em Portugal a potência que tem, única na Europa ocidental – embora me sinta muitíssimo mais em xeque por, em Portugal, haver patrões, empresários e governantes tão indignos. Infelizmente sinto também que a Igreja tem que rever a sua aptidão, o seus magistério. Manifestamente não interpreta a realidade.
A bandalheira republicana, que terminou ignominiosamente, é mãe dos actuais detentores do Poder (da Educação às investidas contra a Imprensa é só estar atento) e, deste Poder, esperar, só o pior.
Todavia, pensar-se português é pensar-se empreendedor, grandioso, universalista, transbordante de afecto, emocionante, em suma. Portugal é a espantosamente bela mulher que amamos. Sim, sim, um modo peculiarmente soberbo de se ser, de se estar na vida.
Guarda, 3-V-09
Por: J. A. Alves Ambrósio