Está aberto mais um ciclo político que promete cansar um eleitorado fustigado pela depressão económica e pela desconfiança social. A campanha eleitoral para as eleições europeias marca o início de um longo período de debate e luta política que tem as instituições democráticas como fulcro e as opções políticas para o futuro como elemento diferenciador entre projectos. É preciso desde logo entender que o prolongamento deste ciclo (que só vai terminar lá para finais do ano) se deve à maior complexidade do sistema política em que se insere Portugal desde a sua integração no espaço europeu. Com a integração na União Europeia, o regime político português deixou de poder controlar um elemento fundamental do sistema e que se traduz no funcionamento das instituições europeias e na sua competência legislativa sobre todo o território da União. Contudo, a participação nessas instituições (Comissão, Conselho, Banco Central, Parlamento europeu) também permitiu exercer capacidades que antes não estavam à disposição do país e que lhe permitiram interferir na evolução do sistema global onde está inserido. É a este aspecto que costumam apelar os que sublinham a soberania partilhada no seio da UE, e o exercício da presidência semestral tem sido um momento crucial para a visibilidade e o estatuto internacional de países de dimensão média como Portugal, com património intangível e interesses no mundo mas sem grandes recursos próprios para projectar esses interesses ou proteger o seu património secular.
A maior complexidade do sistema político em que vivemos traduz-se, por exemplo, na multiplicação das instituições cuja função fiscalização da acção e decisão política é o cerne da democracia representativa. Não há democracia sem instituições representativas, e por isso se estranha o sentimento de cansaço da cidadania na hora de 3escolher os representantes nacionais ao Parlamento europeu. Por longe que fiquem Bruxelas e a cidade do Luxemburgo da maioria dos cidadãos portugueses, esta câmara não é uma entidade abstracta e simbólica, e tem ao contrário vindo a assumir cada vez mais poderes na decisão sobre a legislação europeia que afecta o dia-a-dia de todos nós. É preciso entender que o Parlamento europeu é hoje uma peça fundamental da democracia portuguesa e, como tal, a escolha de quem nos representa não nos deve ser indiferente. Por outro lado, o debate político contemporâneo está cada vez mais centrado nas grandes famílias políticas europeias, pelo que a diversidade de opções e modelos para o futuro do projecto europeu encontra na Eurocâmara um espaço privilegiado de expressão e debate. Mais uma razão para entender que estas eleições como da maior importância, pois diferentes listas (entre partidos e movimentos cívicos) defendem diferentes modelos de Europa e diferentes opções do que deve ser a evolução das relações entre os países e o centro político em Bruxelas. Defendem, por exemplo, atitudes diferentes face ao Tratado de Lisboa e à expansão das competências da União em matérias específicas como a política de vistos, o controlo de fronteiras e a expansão da capacidade militar europeia. Enfim, e para os eleitores de um círculo que elege uns meros cinco deputados à Assembleia da República, como é o caso dos eleitores do distrito da Guarda, estas eleições devolvem uma certa igualdade de expressão política. Ao contrário do que se passa nas eleições legislativas nacionais, as europeias definem o país como um único círculo eleitoral, concedem o mesmo peso político a todos os eleitores e evitam o desperdício dos votos que não servem para eleger nada, fenómeno que pesa e muito sobre as eleições legislativas no círculo da Guarda.
Se não há democracia sem instituições representativas, o anseio da cidadania deve ser o de que o Parlamento europeu aprofunde a representatividade, a transparência e a capacidade de fiscalizar a política europeia e se transforme em instituição orgânica da sociedade europeia. Por muito que os assuntos discutidos a nível europeu possam parecer herméticos, eles não o são mais do que os assuntos relativos à política e às instituições nacionais; estão intimamente relacionados com eles. É preciso querer saber e querer escolher, pois a participação é que cria as exigências mobilizadoras que o sistema político não pode dar-se ao luxo de ignorar.
Por: Marcos Farias Ferreira