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Por um Serviço Nacional de Saúde, público e para todos, é efectivamente necessário Abril de novo

Crónica Política

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é resultado da Revolução de Abril de 1974, que devemos aos Capitães de Abril.

Todos passaram a ter direito a cuidados de saúde. O financiamento passou a ser assegurado pelo Orçamento de Estado e a prestação por profissionais de saúde com vínculo ao Estado em unidades públicas de Saúde. A distribuição de médicos por todas as regiões do país, iniciada no auge do período revolucionário, permitiu assegurar as condições para o desenvolvimento de uma efectiva rede de Cuidados de Saúde Primários, até aí praticamente inexistente.

Na sua oposição ao SNS, estão os governos do PSD e CDS, mas também o PS têm obedecido a dois eixos fundamentais de orientação estratégica: o desinvestimento no SNS e a privatização dos serviços de saúde facilitando o desenvolvimento da oferta privada, vejam as parcerias nos cuidados continuados e na construção dos novos hospitais.

O sub-financiamento do SNS, que nos anos 80 se traduziu na redução real do orçamento que lhe foi atribuído; na ausência de planeamento da oferta pública; no insuficiente número de profissionais de saúde formados; na progressiva degradação e no encerramento de serviços públicos de saúde.

A privatização foi-se desenvolvendo no crescimento constante da oferta privada, em particular ao nível dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e consultas de especialidade. Na Guarda, infelizmente temos “bons” exemplos nesse sentido. A orientação estratégica traduziu-se na crescente dificuldade de acesso da população aos serviços públicos de saúde; na progressiva instalação de formas de promiscuidade entre a actividade pública e privada em que o acesso a um prestador privado funciona como porta de acesso ao serviço público e em que este serve como campo de captação de clientes para os prestadores privados; num persistente combate ideológico ao carácter público do SNS expresso na ideia de que o que é público é ineficiente. Os que não querem o Estado no controlo da economia são os que mais reclamam do Estado. Um dado explícito, 50% da despesa com os cuidados de saúde em ambulatório foram realizados no sector privado.

Aos hospitais públicos existentes, depois de uma desastrosa experiência com a sua passagem a Sociedades Anónimas, que se traduziu no agravamento do seu endividamento, foi agora atribuído o estatuto de Entidades Públicas Empresariais, o que é entendido como uma fórmula mais recuada do processo de privatização que, prevenindo a ameaça iminente de falência dos hospitais que haviam sido convertidos a SA, mantém a obediência a regras de gestão privada. No distrito da Guarda haverá grave carência de médicos de família. Os exemplos já abundam, Pinhel, Manteigas, Seia e Figueira de Castelo Rodrigo. Ou seja, o elo fundamental para a efectiva promoção da saúde e prevenção da doença, começa a claudicar. Ou seja, fruto das opções políticas de ataque ao sistema que anteriormente dava resposta satisfatória.

Os dados são preocupantes, doentes esperam mais de um ano por uma primeira consulta em oftalmologia, milhares de doentes estão em lista de espera para realizar um cirurgia; só uma em cada cinco mulheres em idade fértil tem acesso a consulta de planeamento familiar e 30 % das grávidas não passam pelos Centros de Saúde; ficam por realizar nos Centros de Saúde 45% das consultas de Saúde Infantil nos primeiros 12 meses de vida e 50% das crianças com necessidades especiais detectadas no âmbito da Saúde Escolar não têm o seu problema resolvido até ao final do ano lectivo; a infecção por HIV não está controlada e o número de casos de Tuberculose Pulmonar é preocupante.

O Governo PS aumentou em mais de 20% as taxas moderadoras, reduziu a comparticipação estatal com os medicamentos, anunciou e concretizou o encerramento de muitos serviços de saúde (Maternidades, Serviços de urgência, reduziu os horários de atendimento dos Centros de Saúde) e criou as famosas taxas moderadoras no internamento e cirurgia no ambulatório, ou seja, doentes passaram a pagar 25% dos custos dos seus internamentos.

As opções políticas mantêm-se, apesar da mudança de ministro, além do silêncio do PSD, qual foi a intervenção política na defesa do internamento em Gouveia do presidente da CPD da Guarda e também autarca de Gouveia? Em Pinhel aguardam pacientemente pela finalização das obras do sector privado? Pois as experiências têm demonstrado que florescem cuidados continuados privados protocolados com o apoio do estado, onde a médio prazo onerarão o utente, hoje já exploram os profissionais de saúde, o exemplo, os meus colegas. Alguns dos quais com o desplante de se socorrerem de estágios profissionais, os mesmos, que o Sócrates utiliza para camuflar o desemprego. A intensificação da ofensiva contra o SNS tem vindo a dar origem a um vasto e crescente movimento de descontentamento popular. Não devemos esquecer que só a luta travou em 2006 o encerramento de alguns serviços de saúde. Não podemos permitir que encerrem por “morte natural”.

Para o PCP a prestação de cuidados de saúde deve ser planeada e programada tendo por objectivo a satisfação das reais necessidades da população baseadas em critérios clínicos, epidemiológicos, de boa prática e respeito pelas normas ético-deontológicas numa abordagem interdisciplinar e pluriprofissional. O financiamento dos serviços deve estar de acordo com a sua missão e obedecer a critérios objectivos definidos por uma Lei de Financiamento. Cabe ao Estado dotar-se das medidas de política Fiscal, Orçamental e de Gestão que assegurem ao SNS os recursos necessários ao cumprimento dos seus objectivos.

A formação de médicos deve ser, nas condições actuais, considerada uma emergência nacional. Não concordo quando oiço alguns responsáveis que estão mal distribuídos. Se assim fosse não havia milhares de utentes sem médico de Medicina Geral e Familiar. Há necessidade de contratação de mais enfermeiros, porém o Governo impõe aos EPE’s limitações na contratação. Em contraponto, emergem empresas prestadoras de cuidados de enfermagem, médicos e outros. A engenharia financeira vai sair cara a todos nós. Um escândalo, tarefeiros custam quase 15 milhões de euros. Não esqueçam o que afirmo agora, parece que não aprenderam a lição com os escândalos no sector financeiro especulativo.

O 25 de Abril permitiu que os profissionais de saúde e os utentes pudessem ter intervenção no planeamento e no acompanhamento e avaliação do desempenho dos serviços de saúde. Voltemos a reivindicar essa oportunidade e não sujeitarmo-nos a critérios estatísticos puramente políticos. Para mudar de rumo e dignificar os trabalhadores é imprescindível a unidade e a luta dos profissionais de saúde, dos trabalhadores e do povo para que as conquistas de Abril perdurem na acção e não apenas na memória.

A luta é decisiva para o êxito da resistência à ofensiva privatizadora e para a necessária viragem política que assegure as condições de trabalho e carreiras dignas para os profissionais de saúde que apostem na prestação pública com afinco a bem do desenvolvimento do SNS.

Por: Honorato Robalo *

* Dirigente da Direcção da Organização Regional da Guarda do PCP

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