Vivemos num tempo e num espaço em que a política e os políticos têm uma imagem desgastada perante a opinião pública, não se lhes reconhecendo qualquer valor. Consideram a política como a arte da conquista do poder pelo poder, a arte da dissimulação e do engano. Entendem que a política e a moral estão colocadas em pratos opostos da mesma balança, quanto maior for o peso de uma menor será o da outra. Política e Moral seriam duas dimensões opostas e inconciliáveis.
Esta concepção de política foi defendida no séc. XVI por Maquiavel. Segundo este pensador, a conquista do poder assumia-se como o fim último, justificando, como tal, todos os meios. Nesta conquista do poder devia o homem usar a natureza animal que existe dentro de si, devendo ser forte como o leão e astuto como a raposa.
Contudo, a política não começou por ser nem deve assumir esta dimensão. A política está na sua origem vinculada ao conceito de cidadania. O homem como cidadão tem o direito e o dever de participar na vida da Polis, ser actor na organização e construção do seu território, participante nas suas decisões. Hanna Arendt entende que só há poder quando os homens vivem próximos uns dos outros, e foi a fundação das cidades, como é o caso da Cidade-Estado ateniense, a condição material e importante para o seu surgimento. Por isso, o poder resulta da convivência, a sua matriz reside na ideia de consentimento, de apoio, de livre troca de opiniões entre iguais.
Contra uma ideia de política como conquista do poder pelo poder, importa fazer da política a procura do bem comum, como defendia Aristóteles. Por oposição a uma concepção de política como arte da dissimulação e da mentira, defende-se a política, tal é a ideia de Hanna Arendt, como procura da verdade.
Mas a política é feita por homens, pelos seus valores, pelas suas ideias, pelas suas convicções. São eles que determinam que a sociedade valorize ou critique a política, tenha uma ideia positiva ou negativa.
Manuel Cerdeira, de quem tive a honra de me considerar seu amigo, corporizava esta concepção de política, personificando tudo aquilo que deve ser a política como procura da verdade e do bem comum. Encarnava em si os valores que devem nortear uma prática política de esquerda. Fazia da simplicidade uma regra de vida e da solidariedade um objectivo. Era um homem sensível, mais preocupado com os outros do que consigo mesmo. Recordo uma das suas, das muitas, que tinha comigo, últimas conversas: “Doutor (como sempre afectuosamente me tratava) estou a pensar oferecer uns ovos de Páscoa às criancinhas, o que acha?” Tinha esta preocupação constante com as crianças, sempre disponível para responder às solicitações que lhe chegavam das escolas. Esta sua enorme sensibilidade, que lhe dava uma capacidade de ver coisas que a nós nos passavam despercebidas, manifestava-se nas pequenas coisas. Era o embelezamento dos pequenos espaços, a sua preocupação com a limpeza e o arranjo das ruas e das praças, a feitura e distribuição do jornal da sua freguesia …
Nesta última fase, Manuel Cerdeira imprimiu à sua Junta de Freguesia uma dimensão social, apoiando os mais necessitados. Esta sua sensibilidade levou-o a criar o Centro Comunitário de S. Vicente, projecto importante de solidariedade para intervir no Centro Histórico. Esta foi a sua última obra, que ficou inacabada, mas que todos temos a obrigação de continuar.
A Cidade perdeu um Homem Bom, a Freguesia de S. Vicente perdeu um grande Presidente e eu perdi um amigo.
Por: Virgílio Bento *
* Presidente da Concelhia do PS da Guarda