A problemática das listas de espera para cirurgia há muito que está na ordem do dia dos portugueses, mas importa desde já referir que não estamos sós neste desassossego, pois elas são também, uma das maiores preocupações de cerca de metade dos países da OCDE, como entre muitos, a vizinha Espanha, o Reino Unido, a Dinamarca, o Canadá, a Austrália e até a Nova Zelândia.
Em termos de opinião pública, a existência de listas de espera para cirurgia, no que diz respeito aos aspectos de acessibilidade aos cuidados de saúde, é talvez aquele que maior visibilidade possui. Sendo por isso, usado nos últimos tempos, como uma forte arma de arremesso no combate político. Porém, entre os astuciosos argumentos políticos apresentados por muitos a propó­sito das listas de espera e a sua origem no que respeita ao serviço nacional de saúde, há uma grande diferença, pouca compreensão e por vezes até alguma confusão. Pois, uma das explicações para o aumento das listas de espera para cirurgia em Portugal, bem como em outros países, prende-se com os importantes avanços na tecnologia cirúrgica e nas técnicas anestésicas, ao longo das últimas duas ou três décadas, que aumentaram em grande escala o alcance, a segurança e a eficiência dos procedimentos cirúrgicos oferecidos pelos sistemas de saúde modernos e que consequentemente possibilitaram e geraram importantes aumentos na procura de cirurgias. Mas claro, alternativamente, pode-se olhar para as listas de espera como resultado de uma incapacidade do sistema de saúde em satisfazer as necessidades elementares de saúde dos cidadãos. Contudo, explicações genéricas desta natureza não são de grande utilidade para a determinação da resposta a dar-se ao problema, nem mesmo para avaliar em que medida são, de facto, um problema.
A área cirúrgica é na verdade, uma componente de excelência de produtividade e capacidade de resposta instalada dos hospitais, mas na última década, a sociedade tem vindo a demonstrar, de forma crescente, um descontentamento face ao tempo de espera para a realização de cirurgias. Esta realidade deu então lugar a algumas iniciativas governamentais que procuraram, através de programas de choque, diminuir o número de utentes que se encontravam em lista de espera há mais de um ano. Destacando-se, neste âmbito, o Programa para a Promoção do Acesso que se iniciou em 1999 e que progrediu para o Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas (PECLEC), iniciado em 2002. Mas, apesar destas iniciativas terem tido um impacto significativo, rapidamente se constatou que uma vez terminadas, o problema do tempo de espera se iria agravar. E assim, após analisadas as abordagens realizadas por vários países europeus, com vista à resolução de situações semelhantes, em 27 de Abril de 2004, através da Resolução do Conselho de Ministros, foi criado um novo Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia com vista a abarcar o problema na sua globalidade e que, de uma forma contínua e permanente, caminhasse progressivamente para a resolução desta situação que continua a ser uma das principais preocupações da população portuguesa. Sistema esse que hoje vigora e que é por todos conhecido como SIGIC. Passados mais de quatro anos da sua criação, mas na verdade apenas três anos da sua implementação a nível nacional, podemos hoje afirmar com base na auditoria já realizada pelo Tribunal de Contas e na avaliação das medidas implementadas para a sua actualização, que com o SIGIC, não se repetiu o fracasso das intervenções anteriores na tentativa de resolução da problemática das Listas de Espera Cirúrgicas. Pois com a criação do SIGIC surgiu uma nova filosofia, que apostou no aumento de produtividade do sistema de saúde, em prol da maior disponibilização de recursos. Centrando assim a discussão pública, não no número de pessoas em lista de espera mas sim no tempo médio de espera, o que me leva a crer podermos estar no bom caminho e acreditar que o SIGIC a seu devido tempo, se poderá afirmar como uma boa solução. Sendo assim hoje uma realidade a «Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saú­de pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde», que ao estabelecer tempos máximos de resposta garantidos e ao estabelecer os direitos dos utentes à informação sobre esses tempos, garante igualdade e transparência. Podendo assim pôr termo, em certa medida, à instrumentalização leviana, das listas de espera como ferramenta de luta política.
Por: Joaquim Nércio