Enquanto a crise económica alastra, do imobiliário à banca, da banca ao resto e, para já, sobretudo ao sector automóvel, alastram também as dúvidas sobre como iniciar uma recuperação. A Comissão Europeia preconiza um ambicioso programa de investimentos públicos e Barack Obama promete o mesmo para os Estados Unidos. Em Portugal, insiste-se no TGV e no novo aeroporto para se obter o mesmo efeito. Manuela Ferreira Leite entende que esses investimentos irão beneficiar sobretudo os países africanos e do leste europeu de onde serão muito provavelmente oriundos os trabalhadores que iremos ver nessas obras. Ela tem alguma razão, mas o seu comentário, versando mais da política que das finanças públicas, padece de alguma demagogia. Esquece que vão incidir descontos para a Segurança Social e retenções de IRS sobre os salários pagos, que vai incidir IVA sobre as facturas emitidas, que, sobretudo, vai haver circulação de cada cêntimo investido.
O fenómeno da multiplicação do investimento é bem conhecido e está mais do que estudado. Se o Estado pagar mil euros a um empreiteiro, esses mil euros vão muito provavelmente passar a outras mãos: em salários aos trabalhadores, em pagamento de dívidas da empresa, por exemplo à banca, ou a subempreiteiros, ou a fornecedores, em impostos ao próprio Estado; o resto será o lucro dessa empresa, mas será também redistribuído em dividendos aos accionistas e eles irão por sua vez gastá-lo e recomeçar o processo de circulação daquele dinheiro. De acordo com muitos modelos económicos, que têm em conta para além do mais as taxas de poupança vigentes, ou mais habituais, considera-se normal que um investimento de mil euros faça circular o triplo dessa verba no tecido económico (recebo mil, pago seiscentos, aquele a quem eu pago paga por sua vez quatrocentos, etc.). É claro que a pertinência do investimento é um factor a ter desde logo em conta, muito embora haja quem diga, e com alguma razão, que algum efeito multiplicador é sempre conseguido, nem que seja abrindo e fechando buracos.
Mas há outras maneiras e uma delas é de uma bondade indiscutível e refiro-me a pagar dívidas. Vejo no site na internet da Câmara Municipal da Guarda, nas suas contas do terceiro trimestre de 2008, que as suas dívidas a fornecedores atingiam um montante de quase sete milhões e meio de euros. Não sei quanta deste dinheiro é devido a empresas da Guarda, mas conheço muita gente afligida com dinheiro que tem “na rua” e que não consegue cobrá-lo, incluindo à Câmara Municipal. Há neste momento postos de trabalho em perigo e empresas que correm o risco de ter de fechar as portas. Se a Câmara pagasse de repente todas as suas facturas atrasadas, mesmo que através do recurso a um empréstimo, não só essas empresas poderiam salvar-se mas o dinheiro recebido iria, através daquele efeito multiplicador, representar bem mais em toda a economia do Concelho (recordo um programa na Rádio Altitude em que Crespo de Carvalho disse precisamente isto). Para além do mais, seria uma boa decisão do ponto de vista financeiro, uma vez que a taxa de juros que a banca cobraria seria certamente inferior aos juros moratórios comerciais, neste momento acima dos dez por cento, e a operação não implicaria o aumento do endividamento (uma vez que implicaria trocar uma dívida por outra).
Dizem-me que é isto que a Câmara da Guarda se propõe precisamente fazer. Que seja verdade e a operação se concretize depressa, que os milhões que a Câmara deve estão a fazer falta a muita gente e a multiplicar-se em muitas outras dívidas.
Por: António Ferreira