“Em Construção” (2007)
Realizador: Zhenchen Liu (http://zhenchen.free.fr/)
Duração: 09:55
Vencedor do Cine’Eco 2008
Este documentário acaba de acrescentar mais um triunfo no seu palmarés, ao ser declarado vencedor do XIV Festival Internacional de Cinema de Ambiente de Seia, que decorreu nesta cidade entre 18 e 25 de Outubro. Uma mostra cuja longevidade comprova a sua afirmação no panorama cinematográfico nacional. Sobretudo numa área tão específica e tão interventiva. O autor, Zhenchen Liu, é originário de Xangai, onde situa o cenário das suas obras mais significativas. Actualmente, a sua actividade centrou-se em França, país onde o documentário foi produzido. Não é a primeira vez que esta obra está presente a competir no nosso país. Assim, no ano passado integrou o Fike 2007 – Festival Internacional de Curtas-metragens de Évora. No entanto, passou relativamente desapercebido.
Depois de “Shanghai Express”(2005) e de “Shanghai” (2006), “Em Construção” é o último vértice de uma trilogia onde Liu dá conta das mudanças trazidas pela globalização na sua cidade, colocando-se em diferentes pontos de vista. O filme conduz o espectador numa viagem pelas ruínas de uma antiga zona habitacional de Xangai, após a sua demolição para fins imobiliários. Frames isoladas são animadas em pequenas sequências, de modo a que a câmara parece pairar por cima dos escombros da cidade, flutuar livremente através de paredes e janelas. Por vezes assomam espectros no meio do entulho, lembrando-nos que as ruínas conservaram a vida que aí floresceu. Os antigos habitantes têm aí a oportunidade de contar as suas histórias e dramas pessoais. Através deste documentário, Liu retrata as mudanças vertiginosas produzidas nas grandes metrópoles chinesas, sob a pressão da globalização, onde a modernização acarreta a necessidade de deixar para trás a tradição. Neste registo, Liu utiliza material documental sujeito a um processo de fragmentação, através da aceleração das imagens, digitalização e animação computorizada. Para além de uma pretendida objectividade na descrição do cenário, o autor consegue criar linhas narrativas surpreendentemente intimistas e planos quase pictóricos. É nesses momentos em que utiliza as imagens para contar uma história diferente que melhor se identifica a síntese feliz entre a fotografia, o vídeo e a animação computorizada. O resultado tridimensional dá ao espectador a impressão de se encontrar dentro das imagens produzidas.
“Uma lentidão que parece velocidade”
Coreografia e interpretação: Tânia Carvalho
Música: “Sonata para Piano kvk545”, de Mozart
Pequeno Auditório do TMG, 23 de Outubro de 2008, 21h30
Eis mais uma apresentação integrada no Festival Y#6, uma co-produção da Quarta Parede e TMG. O espectáculo foi produzido no âmbito da “Bomba Suicida” – associação de que a artista é co-fundadora – e estreou no Theatro Circo de Braga, em 2007. Tânia Carvalho tem um vasto curriculum na área da dança contemporânea, tanto a nível interpretativo como criativo. Integrou o Fórum Dança. Coreografou as peças “Explodir em Silêncio Nunca Chega a ser Perturbador”, “Na Direcção Oposta”, “Um Privilégio Característico” e “Newtan”. Desta vez, baseou-se numa frase de Jean Cocteau para dar o título a este espectáculo.
A autora começa por executar a composição para piano de Mozart. Os movimentos estilizados e o desenho do figurino conjugados criam uma atmosfera intimista e onírica. Por momentos, julguei ver um samurai com a sua espada desembainhada. Mas cedo se percebe o intento da coreógrafa: a superação dos limites da partitura musical, que há momentos fora iniciada. Segue-se uma sequência de linguagens diversas, através das quais Tânia Carvalho busca a destruição e recriação do tema musical. Ao fim ao cabo, a dialéctica criadora por definição. E para isso não olha a meios. Recorre então a um texto de Patrícia Caldeira, que utiliza para compor um dos grandes momentos poéticos do espectáculo. Depois da voz, assiste-se a uma sequência de movimentos de dança que aceleram a derrisão, a hecatombe poética e sonora. Por momentos, ouve-se o som do piano como se este tocasse sozinho. Não é do caos que se trata, bem entendido. Mas antes de uma subtil vigor, de uma irreprimível urgência. Diluídos numa composição artística rendida à geometria dos gestos, às convulsões de um corpo que se desdobra incessantemente. Mas parecendo fazê-lo para além dos limites que lhe estavam destinados por uma partitura que já se transmutou noutra paisagem. Afinal, tratou-se simplesmente das várias metamorfoses de uma rendição à música. À sua geometria e à sua perenidade. Afirmou um dia a autora acerca do significado profundo que para si tem a dança: “Gosto desta confusão que é de lhe sentir a essência, mas de não conseguir agarrá-la”. Nada mais apropriado para este singular espectáculo.