O movimento “woke” nasceu de uma preocupação genuína em tornar a sociedade mais igualitária e mais justa, através do combate a diversos tipos de discriminação e da emancipação de grupos marginalizados. Contudo, nos últimos anos, as suas preocupações têm vindo a ser distorcidas e desproporcionadas, chegando ao ponto do ridículo.
Repetem-se os debates sobre pronomes e a alegada perpetuação do domínio masculino através da linguagem. Sucedem-se as tentativas de imposição de padrões morais que desconsideram contextos históricos e culturais. Multiplicam-se as iniciativas de revisão e cancelamento de obras culturais e eventos académicos que não estão em conformidade com os seus pressupostos ideológicos.
Nos EUA, a centralidade que Kamala Harris deu à agenda “woke” afastou eleitores tradicionais do Partido Democrata. Trump recebeu-os de braços abertos e venceu as eleições presidenciais de forma esmagadora. No Reino Unido, o Partido Trabalhista trilhou o caminho inverso e regressou ao poder 14 anos depois. Keir Starmer rompeu com a linha de atuação do seu antecessor, Jeremy Corbyn, um verdadeiro campeão das causas “woke”. Seguindo os conselhos de Tony Blair, o novo líder dos trabalhistas soube desviar o foco do discurso político das questões identitárias para problemas económicos e sociais abrangentes.
Estes dois episódios deveriam servir de aviso à navegação para os partidos que ocupam o centro do espetro político-ideológico. De resto, são eles que estão mais vulneráveis à armadilha “woke”. Por um lado, criou-se a ideia de que só abraçando essas causas é possível estar do lado certo da história. Por outro, essa conexão aparenta ser um caminho fácil para captar o apoio (e os votos) de determinados setores da sociedade.
Na prática, porém, o que se verifica é o afastamento de apoiantes e eleitores moderados que não se reveem nessa ordenação de prioridades políticas. O resultado final é o que as eleições de muitos países têm revelado: uma clara viragem para a direita conservadora.
Há dois ensinamentos dos manuais da política que parecem estar a cair no esquecimento. Primeiro, em política não há espaços vazios. Segundo, a sociedade tem de ser pensada como um todo e não de forma segmentada. Recuperadas estas velhas máximas, as lições da “Wokelândia” tornam-se claras como a água. Os problemas reais que afetam a vida da maioria das pessoas raramente coincidem com os supostos problemas que alguns radicais e pseudointelectuais gostariam de ver atendidos. Se o centro político preferir continuar entretido a discutir questões como o género dos anjos, em vez de apresentar soluções equilibradas e exequíveis para os problemas concretos da maioria das pessoas, outros continuarão a ocupar o seu lugar e a colher os respetivos dividendos.
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