Quo vadis Europa?

Escrito por Jorge Noutel

« A crise, por enquanto, não é, do foro financeiro, apesar de nunca ser prudente aceitar as premissas anunciadas pelo sector de que tudo vai bem e recomenda-se o seu quintal. Basta recordar a última crise financeira que assolou todo o mundo.»

O mundo vive mais uma crise. Tal como na primeira metade do século XX, a crise atual assume a forma de uma enorme crise de legitimidade, não só devido à natureza trágica das tendências crescentes para a guerra, mas também face ao aquecimento global, que continua a causar catástrofes. É esta crise de legitimidade da ordem liberal resultante da Segunda Guerra Mundial que dá origem a fenómenos mórbidos como a ascensão de Trump e o crescimento da extrema-direita em todo o mundo.
A crise, por enquanto, não é, do foro financeiro, apesar de nunca ser prudente aceitar as premissas anunciadas pelo sector de que tudo vai bem e recomenda-se o seu quintal. Basta recordar a última crise financeira que assolou todo o mundo. A crise política que se vive em França associada à crise económica e social é deveras preocupante e devia fazer pensar todos os governantes e muito em especial os cidadãos. Mas a crise política é apenas a ponta do icebergue de uma convulsão de consequências graves para toda a Europa. Uma França que apresenta um défice de 6,1 por cento é preocupante e um sinal de alerta para toda a economia europeia. Lembrar que em Portugal, quando atingiu um défice de 3%, os seus cidadãos foram apelidados de muitos impropérios. As agências de notação financeira atiraram-nos para o lixo quando a dívida portuguesa atingiu um valor muito próximo dos, 134% do PIB.
Hoje a França encontra-se numa situação bem pior. No entanto, alguém ouve ou lê as ditas empresas a referirem-se ao caso? Calados, como convém. E não se pense que a situação vai melhorar. Desde logo com a Alemanha, outra economia em crise e por arrastamento a levar a Europa para a fossa. O setor automóvel na Alemanha representa 8% do PIB. A crise no setor é enorme. Lembrar que o setor, em toda a Europa, dá emprego direto ou indireto, a cerca de 14 milhões de trabalhadores. Em Portugal a crise do setor automóvel já começou a produzir nefastas consequência. Encerraram duas empresas na última semana com centenas de cidadãos no desemprego. E face ao anúncio de uma catástrofe, mais uma, o que faz uma Comissão Europeia? Dorme o sono dos cúmplices, sem esboçar um qualquer sinal de alerta. Não se acredita que haja competência para salvar a Europa da crise que se anuncia.
O acordo celebrado em Montevideu com o MERCOSUL já levantou sérias críticas da França, que o considera lesivo dos interesses dos agricultores e criadores de gado e possibilitará a entrada na União Europeia de produtos que não cumprem as normas de saúde ou ambientais e representará uma concorrência desleal. O BCE da dona da capoeira assobia para o lado. A Europa dos trabalhadores, e não a dos parasitas e corruptos e dos grupos de pressão, de toda a espécie e feitio, não sobreviverá a mais uma crise. Com o objetivo de pensar a sociedade, recordo a obra de Henry David Thoreau publicada em 1849, “A Desobediência Civil”. Embora tenha sido escrita há muitos anos, a obra adquire um caráter atual ao criticar o governo e com tudo o que se relaciona com ele. Segundo Thoreau, o governo é apenas o modo que o povo escolheu para executar a sua vontade, e está sujeito ao abuso e à perversão.
Para Thoreau, o governo é tão forte e poderoso que até os indivíduos mais bem-intencionados são convertidos em agentes de injustiças por força do seu respeito pela lei, e não por sua vontade e consciência e viram súbditos. Esses homens servem o Estado na qualidade de máquinas e são considerados pelo governo bons cidadãos. Existe também uma subserviência no âmbito jurídico, são os que servem o Estado com a cabeça, como legisladores, políticos, entre outros. O autor defende que, ao contrário de tais cidadãos, a consciência deve estar acima da sociedade, e que, para o Estado, são considerados inimigos os que agem com a consciência. O progresso de uma monarquia absoluta para uma limitada e, depois, para uma democracia é um progresso para o verdadeiro respeito do indivíduo.
Jamais o Estado será realmente livre se não reconhecer o indivíduo como um poder mais elevado e independente, com autoridade própria. A desobediência civil, pacífica e constante, é essencial para esse reconhecimento e para uma sociedade justa, refere Thoreau. O autor considera, ainda, que a maior preocupação com uma lei é a análise da sua constitucionalidade. Para ele, perguntar se uma lei é constitucional é tão absurdo quanto perguntar se ela é lucrativa. As questões que Thoreau levanta não são de ontem, são de hoje de um qualquer cidadão crítico, atuante e preocupado com o descalabro que se anuncia.

Sobre o autor

Jorge Noutel

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