O 25 de Novembro

« a Sessão evocativa do 25 de Novembro teve o mérito de permitir ao Presidente da República e ao Presidente da Assembleia da República, terem dois discursos de excelência. E permitiu a aclamação a Ramalho Eanes e homenagear Mário Soares »

Depois de anos a defender a celebração do 25 de Novembro, o CDS conseguiu impor ao PSD a afirmação como data determinante para a democracia portuguesa. E a data lá foi elevada a comemoração oficial na Assembleia da República.
Estranhamente, a sessão dedicada ao 25 de Novembro devia ser algo natural numa democracia amadurecida, sem quezílias ideológicas e sem discursos inflamados. As comemorações do 25 de Novembro caíram no erro original de copiar na forma as comemorações do 25 de Abril. O 25 de Abril é um momento histórico, único, “irrepetível” e transformador de Portugal, pelo que nenhuma data pode ser sinalizada ou celebrada da mesma forma. E 50 anos depois de Abril haver quem ainda não perceba isso ou queira comparar ou colocar ao mesmo nível o que é diferente é um erro grosseiro e uma enorme imbecilidade. Por isso, não se compreendem algumas palavras e atitudes à esquerda ou à direita.
Esta tentativa de impor o 25 de Novembro como data fundadora da democracia veio recordar as divergências que já deviam estar sanadas; o processo revolucionário depois do 25 de Abril teve obviamente diferenças, conflitos, momentos em que parecia que se podia andar para trás… Mas não podia, porque a história não anda para trás: o 25 de Abril mudou para sempre a história de Portugal e tudo o que ocorreu depois, 25 de Novembro incluído, fez parte da construção de um novo regime, de uma nova sociedade, de um novo país. E todos os momentos, todas as jornadas foram importantes nessa construção, mas nenhuma teve a relevância do «dia inicial inteiro e limpo/ onde emergimos da noite e do silêncio/e livres habitamos a substância do tempo» (Sophia de Mello Breyner).
Mas a sessão de 25 de Novembro teve momentos ou tentativas de “reconciliação”. Desde logo do presidente da República que deu uma excelente aula de história, narrando e interpretando um período de conflito e discórdia em que o país esteve dividido e que muitos desconhecem ou esqueceram – mas que fez parte da construção de um novo regime. Marcelo Rebelo de Sousa demonstrou que não há «contradição» entre assinalar o «25 de Abril como data maior» e «evocar o 25 de novembro». No mesmo sentido, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco defendeu que «o 25 de Abril não é desvalorizável, equiparável, substituível» e concluiu que «celebrar o 25 de Novembro não é mais do que celebrar Abril».
Assim, a sessão evocativa do 25 de Novembro teve o mérito de permitir aos dois mais altos signatários da Nação, o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República, terem dois discursos de excelência. E permitiu a aclamação a Ramalho Eanes (presente) e homenagear (justamente) Mário Soares.
Infelizmente, deixou em evidência uma divisão política e ideológica arcaica e ignóbil que há muito devia estar ultrapassada. Como bem disse a deputada única do PAN, Inês Sousa Real, não se pode usar «Novembro para fazer contas com Abril» (a direita), nem faz sentido dizer «que não traem Abril» (a esquerda) criando «trincheiras fúteis». Mas numa democracia amadurecida, no ano em que se comemoram os 50 anos de Abril, não necessitávamos de reabrir feridas com a celebração do 49º aniversário do 25 de novembro. Como não precisávamos de ouvir as alarvidades reacionárias de André Ventura. Ou assistir às ausências dos deputados comunistas e bloquistas, numa encenação patética e pouco democrática. Vivemos num regime cheio de defeitos, imperfeições e virtudes, o regime que nasceu a 25 de Abril de 1974, e que é o resultado de muitos dias importantes, de momentos de divergências e concordâncias, de conflitos e acordos, de ideais e realidades diversas. Um regime democrático que merece ser celebrado.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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