Crónicas de guelra

Dizem as crónicas das gazetas mais famosas que universidades americanas, preocupadas com a condição mental dos seus pupilos, proporcionaram salas de conforto, preparadas com bolachinhas, chá, leite – presumo que devidamente achocolatado – e Legos, para os petizes universitários lidarem com a ansiedade e o desgosto advindos de um resultado menos satisfatório – para eles – numa eleição livre e democrática.
Escrevo o primeiro parágrafo em modo eufemístico para não chocar o leitor com a realidade bruta, que é simplesmente esta: homens e mulheres feitos não são capazes de lidar com o facto de a sua candidata preferida não ter sido a escolha da maioria dos seus concidadãos, e precisam de miminhos para superar a mágoa e a aflição – e as autoridades universitárias, em vez de lhes dizerem, “é a vida e é a democracia, agora toca a estudar”, preferem a versão, “pronto, pequenitos, nós não deixamos que vos aconteça nada de mal”. E dão-lhes Legos e bolachinhas. Em vez de livros e conhecimento.
Já se suspeitava que a academia, principalmente a anglo-saxónica, tinha perdido o contacto com as pessoas comuns e que tinha uma relação difícil com o senso comum. Agora percebemos que o bom senso também foi arrumado numa gaveta e alguém deitou fora a chave.
Estes cidadãos adultos – no mundo actual, talvez seja importante relembrar que os grupos “universitários” e “crianças” formam, num diagrama de Venn, um conjunto vazio – estes adultos, escrevia, ficam perturbados quando percebem que o mundo à sua volta não pensa e não reage como eles. Corrijo, o mundo à sua volta – estudantes, professores, jornalistas e outros intelectuais – pensa exactamente como eles. É precisamente por não conhecerem uma única pessoa que discorde da sua mundivisão que ficam chocados quando percebem que no mesmo país, noutras paragens e noutras vidas que eles nunca viram e nunca quiseram conhecer, há quem pense, sinta e entenda o mundo diversamente. No fundo, o choque deles não é por Trump ser um perigo para a Humanidade. O choque deles é perceberem que a Humanidade, por ser tão diversa, é um perigo para eles.

 

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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