O Banco Nacional Ultramarino foi fundado em Lisboa por um grupo de capitalistas, entre os quais Francisco de Oliveira Chamiço, por Carta de Lei de 16 de maio de 1864. Era um Banco Emissor para as colónias portuguesas, mas era também um Banco de Fomento e Comercial no país e no estrangeiro.
Tinha sucursais e agências abertas em todas as províncias ultramarinas, mas a partir de 1917, com uma filial no Porto, iniciou a criação uma rede de agências no Continente, na Madeira e nos Açores. Em 1931 enfrentou uma situação de falência técnica, provocada pela Grande Depressão, que levou a uma intervenção do Estado.
Com a revolução de abril de 1974, toda a banca, incluindo o BNU, sofreu uma profunda reestruturação, ainda maior devido à independência das antigas colónias. Foi nacionalizado em 1974 e, em 1988, passou a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, tendo como acionista maioritá
rio a Caixa Geral de Depósitos. Em 2001 deu-se a fusão das duas instituições.
A agência da Guarda
Foi na sequência da referida política de expansão do BNU que foi decidido criar uma agência na Guarda, onde já tinha um correspondente. E foi precisamente esse correspondente, Júlio Marques das Neves Mantas, pertencente a uma das famílias mais bemquistas da cidade, a pessoa escolhida para gerir a nova agência. Júlio Mantas ficou encarregado de arranjar uma casa adequada, e sendo a família Mantas detentora de inúmeras propriedades na cidade, quase nem admira que fosse numa casa sua que o banco se instalou.
Era um dos melhores edifícios da cidade, soalheiro, e de largas vistas, não podia estar mais bem localizado. Foi inaugurada em 27 de novembro de 1919, como uma solução transitória, mas que acabou por se prolongar por largos anos.
Ficava no Largo de S. Pedro, entre as casas de Heliodoro Guimarães e do músico do RI 12, Alfredo Queiróz. Ali se instalará, mais tarde, entre outras, a Direção de Estradas.
A nova agência da Rua do Comércio
Por boas que fossem as instalações do Largo Dr. Sobral, não deixavam de ser as de uma casa residencial. Assim, pouco depois da abertura da agência, em abril do ano seguinte foi adquirido um prédio pertencente a Francisco Pinto Balsemão, situado no gaveto formado pela Rua do Comércio e o Largo da Misericórdia. Ali tinha estado instalado o Bazar do Povo, que desde 1889 tinha sido uma das casas comerciais mais seletas da cidade, pertencente a Eduardo da Cruz Melo, uma figura considerada na cidade, onde era conhecido por “Barbichas”. Ali de tudo se podia encontrar: tripas, ouro, modas ou móveis, guarda-chuvas, paramentos religiosos, era relojoeiro com marca própria, sapataria, chapelaria, agência funerária, fazendas, loiças, livros… Ficaram célebres as vistas da cidade que ele mandou “imprimir” na Vista Alegre, em 1890, mas sobretudo aquando da visita real para a inauguração do Sanatório
Sousa Martins. Eduardo Melo, que já com alguma idade tinha casado com uma senhora do Porto, foi viver anos depois para aquela cidade. A loja ficou devoluta e foi arrendada a Fiel Bernardo, e mais tarde a Herculano Mendes, que lhe manteve o nome.
O edifício foi comprado em 1920, mais pela sua localização do que pela sua qualidade, pois não se prestava à dignidade de uma instituição bancária, e que a sua administração pretendia transmitir. Assim, foi demolido e construído um edifício de raiz, nada restando das anteriores fachadas. Nasceu, assim, um prédio de grande qualidade, que ainda hoje dignifica a cidade. O projeto foi da responsabilidade do eng. Manuel de Sousa e as obras ficaram a cargo de António Ribeiro Barão. Só em 1927 ficaram concluídas, sendo a nova sede inaugurada no dia 22 de novembro desse ano. Está quase a fazer cem anos.
O gerente continuou a ser Júlio Mantas, sendo mais tarde substituído por João Herberto de Guimarães Fonte.
Os restantes funcionários era tudo gente bem conhecida da Guarda: Luís Pissarra Pimentel era guarda-livros, José de Sousa tesoureiro, os escriturários eram José Valentim Dias, Victorino dos Santos Pereira e Amílcar Gomes de Pina. Outros funcionários eram José Martins, José de Sousa, José das Neves Policarpo, Filipe César de Aguiar, Miguel António de Pina Júnior, Joaquim Correia de Figueiredo, José Nunes Galo e José Antunes Figueiredo. Era já uma grande equipa, esta é a sua memória.
O Lactário Dr. Proença
Durante as obras de construção da Agência do BNU ocorreu um episódio desagradável, relacionado com a construção do Lactário, cujas obras decorriam ao mesmo tempo, e que merece ser contado.
«Aqui dentro somos todos iguais»
Foi com esta frase que o médico Dr. António Augusto Proença recebeu os operários da Guarda que trabalhavam nas obras do Lactário, e os galvanizou.
Sentiram que o Lactário seria uma obra sua e que seriam eles, e mais ninguém, a erguer as suas paredes. Para isso abdicariam do descanso ao domingo, e, mais tarde, ainda passaram a dar uma hora diária.
Mas, alguma imprensa, tida então por bolchevista e anarquista, sobretudo o jornal “A Batalha”, afirmava que os operários não faziam este serviço voluntariamente, mas porque a isso eram obrigados pelo mestre de obras, Rebelo Barão.
Julgo que tudo não passou de má-língua, mas “A Batalha” era um jornal nacional, o que obrigou a que os operários tivessem que fazer um baixo assinado desmentindo essas notícias. Nuno de Montemor, um dos grandes impulsionadores do Lactário, teria ficado muito agastado com as notícias, mas o seu Lactário ainda lá está.
* Investigador da história local e regional