Trump será sempre para mim aquele cretino que sugeriu a ingestão de lixívia como cura para a Covid, ainda por cima com cara de se achar um génio merecedor do prémio Nobel da Medicina. Tentaram depois emendar a mão, sugerindo que era uma piada, mas era evidente que ele acreditava no que tinha dito. Outros acreditaram, centenas, e foram parar às urgências. Não esqueci também os inúmeros escândalos, a falta de respeito pelas mulheres e, em geral, por todos os que não concordassem com ele. É também inesquecível aquele 6 de janeiro de 2020 em que apelou à insurreição como última tentativa de se manter num cargo que tinha perdido por mais de sete milhões de votos. Ou a forma irresponsável como geriu a pandemia, ou todo um histórico de vigarices e incompetência.
Mas ganhou as eleições de forma inequívoca e justa, mesmo que por maus motivos. Kamala é mulher e mestiça, e isso não ajudou em nada, como não ajudou em nada faltar-lhe o carisma de Barack Obama e pesar-lhe a perceção geral de que o país ia pelo mau caminho. Os Democratas ainda não perceberam bem a razão da derrota perante um adversário com tantos pontos fracos, mas começa a desenhar-se um caminho para chegarem lá, para aprenderem lições que são válidas também aqui.
As pessoas podem acreditar, mal, que Trump pode resolver o problema da inflação, como se ele fosse capaz de fazer baixar os preços. A política de guerra comercial que se adivinha, em que vai impor tarifas aduaneiras sobre produtos importados, sobretudo os importados da China, vai evidentemente fazer subir os preços desses produtos, como apontaram já muitos economistas e entre eles o Nobel Paul Krugman. Ninguém quer vender com prejuízo e há muitas coisas que se fabricam já apenas na China, pelo que não vai ser fácil encontrar fornecedores alternativos. A promessa da deportação de emigrantes ilegais, a ser cumprida, vai lançar o caos na economia. A promessa de acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas é uma mera “trumpada”, inconsequente como foram tantas outras (lembram-se do muro que o México ia pagar?).
No fundo, tudo se resume à velha cartilha populista: encontrar um inimigo a quem culpar de tudo, sejam judeus, sejam ciganos, sejam imigrantes, como fizeram Hitler e Le Pen e como fazem hoje Ventura, Trump e outros; apresentar-se como o Homem Forte com soluções simples, e compreensíveis por pessoas simples, para questões complicadas. Se as soluções não resultarem, e não vão resultar, basta culpar os inimigos de sempre, ou os que for necessário encontrar. É como se dissessem a alguém com uma enxaqueca que resolve o problema batendo com a cabeça na parede e, quando tiver ainda mais dores, culpar a parede, ou a cabeça, ou os imigrantes.
Se isto parece tão evidente, porque ganhou com uma margem destas? É verdade que a ignorância geral dos seus apoiantes ajudou, como ajudou a falta de sentido crítico de milhões e milhões que têm como única fonte de informação as redes sociais ou, pior ainda, a Fox News. O caminho de que falo para a renovação das esquerdas, ou dos partidos democráticos, por oposição aos populistas, passa por compreender, como muitos já entenderam, que as “questões fraturantes”, a ideologia de género e quejandos toca numa parte ínfima da população e nada diz, ou repugna, aos restantes. As pessoas preocupam-se com questões tão simples como o preço das coisas por oposição aos seus baixos salários, a falta de habitação a preços que possam suportar, o acesso a cuidados de saúde, a segurança no emprego, na velhice, o acesso dos seus filhos a educação de qualidade. Se a esquerda continuar a falar para as mesmas minorias, vai ter de contar apenas com os votos dessas minorias. E era tão fácil refutar os argumentos que levaram à eleição de Trump e podem levar à eleição de outros tão maus como ele…
A vitória do populismo
“Os Democratas ainda não perceberam bem a razão da derrota perante um adversário com tantos pontos fracos, mas começa a desenhar-se um caminho para chegarem lá, para aprenderem lições que são válidas também aqui.”