O Montepio Egitaniense, chamemos-lhe assim pois foi a sua última designação oficial, e também aquela pela qual era geralmente conhecido entre as gentes da Guarda, foi criado em 1866.
O Monte-Pio Philantrópico Egytaniense
António Paes de Sande e Castro foi Governador Civil da Guarda entre 1865 e 1868. Dinâmico e empreendedor, rapidamente se apercebeu das graves necessidades do distrito, daí que, com o objetivo de encontrar uma solução para colmatar essas dificuldades, juntou em sua casa um grupo de comerciantes e notáveis da região. Logo aí, no dia 29 de julho, decidiram criar uma instituição de socorros mútuos, denominada Monte-Pio Philantrópico Egytaniense, para apoio aos seus associados. Nomeou-se uma comissão, presidida por António Luís de Almeida Barbas, que ficou encarregada de elaborar os estatutos, e ainda nesse mês foi eleita a primeira direção, presidida pelo conselheiro Telles de Vasconcelos. Socorrer os sócios doentes ou presos, ou atribuir pensões aos que estivessem impossibilitados de trabalhar, eram as suas principais missões.
Os sócios podiam ser homens ou mulheres, se autorizadas pelo marido. Eles pagavam uma cota de 5.000 réis, elas de 7.500 réis. A igualdade de género é evidente…
Durante o sec. XIX o número de sócios rondava os 300, um número significativo na Guarda de então. De qualquer forma o rendimento não permitia ter casa própria. Daí que as suas primeiras instalações tenham sido numa sala da Santa Casa da Misericórdia, depois em casa arrendada a dona Clementina e depois ao conselheiro Telles de Vasconcelos, na Rua das Fontaínhas. Mais tarde, compartilhará as instalações do Grémio Sande e Castro.
A “Caixa Recreativa”
Para obter fundos foi criada uma “Caixa Recreativa”. Lançava-se mão de tudo. Era o bazar, os sorteios e rifas, o bilhar e sobretudo o jogo do loto e das cartas. Tinha aula de francês, escola de música, biblioteca e organizava saraus literários e artísticos. Veio a fechar em finais de 1895. Os médicos Francisco Sobral, Lopo de Carvalho, Elvas Leitão e Monteiro Sacadura davam o seu apoio desinteressado, mas as despesas com medicamentos eram elevadíssimas. Como nessa altura, e por essas razões, o Montepio não reunia, condições de sobrevivência, os estatutos tiveram que ser adequados à realidade da região e do país.
Visita da Família Real
Em 1882 foi inaugurada a Linha do Caminho de Ferro da Beira Alta no meio de grandes pompas e circunstâncias, que o caso não era para menos. Os transportes estavam a ser revolucionados e com isso esperava-se o sucesso e progresso da região e do país. O ponto mais alto das celebrações foi a vinda da Familia Real para presidir às cerimónias. O rei D. Luís I e a Rainha Dona Maria Pia são recebidos solenemente na Câmara, e irão jantar no Governo Civil. Mas antes, já tinha sido atribuído o título de Real ao Monte-Pio Philantrópico Egytaniense. A reação foi esmagadora! Ainda nesse dia foi convocada uma reunião extraordinária, tendo sido deliberado «que se fizesse chegar às suas Augustas mãos, para os fins julgados convenientes» a ata de agradecimento. Mas, acima de tudo, solicitar a «honra da Presidência honorária» a Sua Majestade, a vice-presidência a sua Alteza Real o Príncipe D. Carlos, bem como a Graça de Sua Majestade a Raínha e Sua Alteza o Infante D. Afonso serem protetores do Monte-Pio.
Montepio Egytaniense
O Montepio tinha tido o seu grande momento de glória, no entanto, a República estava à porta e o Real Monte-Pio Philantrópico, que com tanta vaidade ostentava o seu título de Real, passará pouco depois, a 24 de junho de 1912, a chamar-se, simplesmente, Montepio Egitaniense. E, imagine-se, coisas dos tempos, a supressão do título de Real foi feita a pedido do próprio Montepio…
Na verdade, internamente, já se tinha dado uma outra revolução, com a chegada de João Caetano Salvado à Guarda. É feito associado e apercebe-se das dificuldades de crédito das famílias e das empresas, e da necessidade de uma instituição financeira local para dinamizar o comércio da região, estagnado à época. Da motivação que soube transmitir aos associados do Monte Pio nascerá, a 1 de janeiro de 1904, data em que iniciou as suas operações, a Caixa Económica da Guarda, anexa ao Monte-Pio.
Funcionava como uma instituição bancária, pois aceitava depósitos e pagava juros, concedia empréstimos sobre penhores ou hipotecas e descontava letras e livranças. Será a primeira, e única, instituição bancária da Guarda.
Na sua essência, o seu grande objetivo era incitar o espírito de economia, dando aplicação produtiva aos depósitos de que era aceitante, geralmente modestos. Já no séc. XXI foram encetadas negociações com o Montepio Geral no sentido da integração dos sócios do Montepio Egitaniense e dos depósitos da Caixa Económica da Guarda nesta instituição, de que veio a resultar a sua fusão como Montepio Geral.
O Monte-Pio Egytaniense e as gentes da Guarda
A abrangência de associados era transversal à sociedade regional. Os estatutos previam, já com esse objetivo, várias categorias de associados. Dois bispos, D. Manuel Martins Manso, em 1873, e D. Tomaz Gomes de Almeida, pouco depois, foram dois dos seus sócios honorários.
Para se ter uma ideia da capacidade de implantação da instituição em todos os estratos socioprofissionais, e da sua relevância na sociedade de então, faremos uma pequena resenha de alguns dos seus sócios. Só em si, este rol é impressionante, e constitui um retrato da sociedade da Guarda na mudança de século. A sua identificação e respetivas atividades e profissões ajudam-nos a entender aqueles tempos não muito distantes. Quanto à evolução do Montepio Egitaniense, das modernas instalações da Rua Vasco da Gama até à fusão com o Montepio Geral, será objeto de um outro trabalho.
ASSOCIADOS DO MONTE-PIO
Bernardo Xavier Freire – Advogado, grande proprietário, agente do Banco de Portugal, diretor do semanário “Districto da Guarda”
Francisco António Patrício – Industrial, negociante, grande proprietário
Visconde de S. Pedro do Sul – Grande proprietário
João Manuel Martins Manso – Advogado
Barbosa Leão – Médico
Visconde de Ferreira – Governador Civil da Guarda
João Monteiro Sacadura – Médico
João Pereira Franco – Oficial do exército
Simão Ribas – Industrial e negociante
José de Castro – Advogado
Conselheiro Telles de Vasconcelos – Ministro
Francisco dos Prazeres – Sacerdote, jornalista e Provedor da Santa Casa
Simão Freire Falcão – Advogado e proprietário
Amândio Paul – Médico
Arnaldo Bigotte de Carvalho – Advogado, Governador Civil
Salvador do Nascimento – Comandante dos Bombeiros Voluntários da Guarda
Francisco Pinto Balsemão – Industrial e negociante
Júlio de Almeida – Farmacêutico
António Balha e Melo – Estalajadeiro e dono do Hotel Central
Gerardo José Batoréu – Negociante, comandante dos Bombeiros Voluntários
José de Lemos – Político e comerciante
Alfredo Ribeiro de Moura – Gerente do Banco de Portugal
Cezar Mantas – Negociante
Amândio da Costa Alves – Marceneiro
António Rodrigues Leal – Farmacêutico
Manuel Valentim Dias – Empregado do comércio
* Investigador da história local e regional